1. A austeridade determina a luta política e social do nosso tempo. Tendo a divida como instrumento de chantagem permanente, a austeridade orçamental justifica o maior ataque aos direitos de abril com um programa de empobrecimento a longo prazo. A ofensiva para o aumento da exploração entrelaça-se com uma vaga conservadora, atacando direitos sociais e liberdades políticas. Em toda a Europa, os partidos da alternância seguem o rumo deste retrocesso civilizacional. O aprofundamento da crise do capitalismo financeiro exige à esquerda a afirmação de alternativas anticapitalistas e intransigentes na defesa da dos direitos sociais e do aprofundamento da democracia, sem cedências à política da chantagem que destrói o Estado Social e arrasa os direitos constitucionais. Em Portugal, o Bloco de Esquerda é o sujeito político que nasceu para representar essa exigência de transformação social.
2. Vivemos um tempo diferente no Bloco de Esquerda. As correntes fundadoras do partido/movimento estabeleceram entre si, e também com muitas pessoas que não eram oriundas dessas correntes, os consensos necessários ao progresso deste espaço político alternativo, sem prejuízo das votações democráticas estatutárias que impulsionaram o Bloco. Contudo, antes e depois da Convenção de novembro de 2012,essa visão foi posta de parte por protagonistas vários, empobrecendo o pluralismo essencial ao Bloco. Esse facto alterou o relacionamento interno. A proclamação de que as correntes originais estavam superadas, mesmo na sua tarefa de reflexão teórica, e de que apenas as tendências inscritas no Bloco teriam legitimidade, obriga a uma atitude. Rejeitamos os pressupostos que resumem a riqueza interna do Bloco à existência de tendências mas, naturalmente, não subestimamos o desafio deste novo tempo. Assim, constituímos, ao abrigo dos regulamentos vigentes no BE, a tendência ESQUERDA ALTERNATIVA. Uma pessoa, um voto, sempre foi a nossa perspetiva fundadora e a nossa proposta, e é nesse respeito que trabalhamos com respeito pelas deliberações coletivas. A valorização da articulação anterior entre correntes, única e singular na esquerda portuguesa, é onde pomos o pé no chão.
3. As razões da criação de tendências só vinculam os próprios. Mas devemos dizer o que entendemos sobre a nossa. Não vale a pena criar uma tendência para replicar o programa político do Partido. É um duplo erro porque, por um lado, permite que um grupo particular se aproprie do que é geral e, por outro, nada adianta ao que já existe. Vale a iniciativa que pretenda expor uma forma de pensamento que constitua as referências de análise dessa abordagem”. A ESQUERDA ALTERNATIVA agrupa, não exclusivamente e sem sectarismos, aqueles que partilham um quadro teórico-político com as premissas que se seguem.
4. O marco divisor da política mundial situa-se na agressão do imperialismo aos povos de todos os continentes, incluindo os povos das potências dominantes. O imperialismo, forma de domínio económico, político e militar do capitalismo, implica a subjugação geral para controlo e benefício do lucro dos mercados. As potências mais fortes em capital e armas tendem a estabelecer, embora com contradições, um condomínio do planeta a que chamamos imperialismo global. A guerra e o militarismo são a caixa de velocidades deste carro de opressão. A nossa elaboração política não ignora que a NATO ou a União Europeia, na sua atual forma e tratado, são aparelhos imperialistas a combater. Enfraquecer e derrotar o imperialismo é a hipótese socialista ou mesmo imprescindível para manter um conjuntural governo progressista em qualquer parte. Fiéis ao manifesto fundador do BE, queremos superar o Império por um contrato mundial democrático e pacífico dos Povos. Preconizamos a refundação democrática da cooperação europeia, substituindo as atuais instituições por outras que respondam à soberania popular.
5. O capitalismo, e a multiplicação dos lucros privados, assentam na exploração da força de trabalho e esse facto faz a centralidade do trabalho na economia. Daí deriva a centralidade do trabalho na alternativa revolucionária ao sistema. Esse é o mérito do marxismo como pensamento de emancipação. Naturalmente, a contradição entre o capital e o trabalho não esgota o conjunto de contradições negativas que nos afetam no capitalismo. Respondemos ao mesmo tempo à discriminação de género, de etnia, do rural, respondemos a autoritarismos vários e à destruição ambiental. A coesão das várias frentes de luta ao capitalismo só reforça a luta de classes. A luta de classes tem uma representação política, que nos procura, porque ela é em todas as aceções uma luta política de classes. A ideia de que fora da motivação económica e do trabalho industrial não há luta de classes é algo que mesmo Marx ridicularizou há mais de século e meio. Hoje, o alargamento populacional dos assalariados e dos desocupados leva ao aumento quantitativo do proletariado, mesmo que mais heterogéneo no seu seio. Aliás, a heterogeneidade da burguesia devido á globalização financeira também cresceu em expoente. Este é o campo, onde com eventuais compromissos estratégicos com outros setores de classe ou grupos sociais, entendemos formar uma perspetiva anticapitalista. Não desconhecemos a complexidade dos mecanismos económicos, rentistas, fiscais, monetários, que modelam o capitalismo e que reclamam proposta política. Contudo, convém não esquecer os fundamentos da exploração e ela situa-se não na economia mercantil em geral mas no trabalho não pago da mercadoria-trabalho. A socialização dos principais meios de produção impõe-se como solução dessa injustiça básica que produz desigualdade social, mais a mais quando a globalização dos capitais tornou ineficiente qualquer veleidade de socialismo redistributivo por via dos impostos.
6. Uma maioria social é necessária no apoio às políticas socialistas de um governo de esquerda. Nesse aspeto, a combinação entre a luta social e a luta parlamentar é chave para constituir as alianças populares que traduzam essa aspiração de rutura com as políticas liberais e conservadoras. Um tal governo, mesmo num quadro externo adverso, está obrigado a reverter as privatizações e o corte de direitos sociais, sob pena de ser mais um destroço de centro-esquerda, igual a vários que conhecemos na europa nos últimos 20 anos e que destruíram partidos de esquerda que a eles se atrelaram. Uma alternativa que ganhe essa esperança tem de resultar do crescimento da esquerda, à esquerda do PS. O arranque do BE correspondeu, aliás, a essa superação do centrismo sem alternativa do PS, por parte daqueles que também não se reviam no estilo e sovietismo do PCP.
7. Clareza nos objetivos não significa isolamento ou caminhos auto suficientes. Convém lembrar que a genuinidade da proposta de criação do Bloco, em 1999, manifestou a vocação unitária dos seus promotores. Esse mesmo espírito, a que temos chamado “juntar forças”, continua a nortear-nos. A unidade da oposição, as unidades de esquerda, não são para nós um adereço ocasional e contingente mas um alimento de primeira necessidade. Todos os que tentaram transportar para o BE o debate viciado sobre se queríamos ser o PS nº2 ou o PC nº2, apagando que do ponto de vista geral somos alternativa a ambos ou não existiríamos, quiseram apenas, sempre invocando gravidades várias, pôr-nos a reboque de um ou de outro. Isso não pode ser confundido com a necessária unidade, que deve somar, ser diversa e atraente aos mais novos. Lutar pela unidade pressupõe respeitar as diferenças e personalidade própria de cada partido. Aproximar posições não é apagar a nossa identidade nem exigir que os outros mudem a sua. O juiz desses processos é, em última instância, o povo de esquerda e a ele cabe esse ônus.
8. Valorizamos a experiência da luta social. A necessidade dos sindicatos, democráticos e classistas, nunca foi tão atual. E, no entanto, os sindicatos e outras organizações de trabalhadores não esgotam a necessária frente de movimentos sociais vários, com as suas agendas próprias e autónomas, todas tendendo a um fortalecimento do combate anti-capitalista. Testemunho disso são os movimentos de imigrantes, os movimentos por liberdades, direitos civis, sexuais e outros, os movimentos pela emancipação de género, os movimentos ambientalistas, pela paz, pela habitação, os movimentos estudantis e juvenis, entre outros. Estes movimentos transversalizam lutas, congregam as diversas causas emancipatórias e, na sua autonomia, têm reivindicações que cruzam muitas vezes o conteúdo programático do projeto alternativo defendido pelo Bloco. Esse diálogo deve ser permanente. A multiplicação destes movimentos em torno das causas mais diversas deve ser valorizada sem qualquer pretensão de controlo ou de hegemonia, com respeito pelos seus tempos e protagonismos. A construção de uma maioria para a transformação social exige toda esta diversidade de conteúdo e de formas de luta, pois só ela traz a capacidade de despertar novos sectores populares para a mobilização social.
9. Entendemos que a cooperação inter-partidária no âmbito da esquerda europeia, no Partido da Esquerda Europeia e noutras plataformas progressistas, é absolutamente vital para alterar a relação de forças com a direita conservadora e promover o ascenso das forças populares.
10. Assumir uma posição forte na esquerda deve motivar o Bloco. Isso só é possível pela prática de um projeto político com bandeiras próprias, não dependente de terceiros, ganhando o perfil radical que possa exprimir-se na radicalidade dos movimentos sociais.
11. O Bloco de Esquerda é socialista, feminista, ecologista, popular. Esquerda combativa e crítica. Uma esquerda diferente, que escolheu o socialismo, não mostrou nostalgia pela social-democracia nem teve expetativa na 3º via blairista. Uma esquerda diferente que rompeu com as trágicas caricaturas do "socialismo real" e não concebe o socialismo sem democracia e liberdades. Um partido feminista que concebe a sua escolha como característica indissociável do nosso movimento. Estas são causas comuns que permitiram a criação do Bloco. Na sua formação desvalorizamos conscientemente diferenças estratégicas para permitir concentrar forças na intervenção política imediata. Continuamos a valorizar leituras diferentes das finalidades da nossa ação. A participação só existe num ambiente plural. Esse será o contributo da ESQUERDA ALTERNATIVA.
Documento aprovado na Assembleia Fundadora da Esquerda Alternativa, realizada em Lisboa a 29 de março de 2014.