Proposta de Tese 1, "O ataque dos ultras incita à resistência dos povos", à VI Assembleia da Esquerda Alternativa.
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A crise 2007/2008 tem sido apontada como a primeira crise económica global do capitalismo. De tal forma atingiu a economia de casino em todo mundo que suscitou a intervenção, simultânea e articulada, de todos os Bancos Centrais e bolsas de valores. A larga destruição de capital fictício formou a onda tóxica que corroeu e contaminou largos setores da economia produtiva. Esta crise teve consequências sérias nas sociedades do nosso tempo: redefiniu e agravou a concentração da propriedade e riqueza, impulsionou um empobrecimento massivo e levou a uma diferenciação acentuada nas classes médias, alargando a proletarização e a exclusão social. Massivamente, esta é uma nova arrumação social.
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Inevitavelmente, ao fim de algum tempo, uma nova arrumação social, embora com matizes diferenciadas conforme a região do planeta, produziria efeitos no sistema político-partidário. As burguesias, refeitas do crash, adotam progressivamente uma ideologia ultraconservadora, justificativa da divisão social e apontada à demagogia popular e de massas. Obama significou, ainda, a resistência dos círculos liberais que soçobraram à marcha reacionária do atual presidente norte-americano, Donald Trump. Neste contexto, ganhou terreno a burguesia com ideologia conservadora, crítica do liberalismo, defensora do “capitalismo com valores”, do nacionalismo retrógrado e do assistencialismo contra o Estado Social. É esta elite que pouco a pouco domina o pódio do poder, após a crise financeira de 2007/2008. É esta mesma elite que vingou no Reino Unido, com o Brexit, e ameaça a hegemonia dos liberais em França, em Itália e na Alemanha.
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Este novo quadro provoca a contração das ideias e partidos centristas e liberais, às quais se tinham rendido, aliás, os social-democratas. É este centro que entra em perda crónica, o que é descrito pela crise, e, em alguns casos mesmo o esvaziamento, dos partidos tradicionais dos Estados Unidos da América e da maioria dos países europeus. Regista-se que os partidos da Internacional Socialista são, embora não exclusivamente, os mais atingidos por esta onda. Abre-se assim espaço a novas configurações à esquerda, 25 anos após a queda da URSS. Outra consequência material é a formação, por reação política, de um caldo de cultura comum entre os partidos conservadores tradicionais e a direita radical. Não se trata só de vasos comunicantes, mas de cultura comum. Em geral, conservadores copiam a agenda da direita radical, deixando os PS’s, viúvos do neoliberalismo, no centro.
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As consequências desta viragem conservadora consolidaram e desenvolveram o autoritarismo como forma de governo. Quer em ditaduras explícitas ou dissimuladas, quer em democracias limitadas, que já existiam ou que passaram a existir. Como ressalta, existe um arco autoritário que se exprime em países como a China, Rússia, Egito, Irão, Turquia, Arábia Saudita, Índia, Filipinas, Brasil, Argentina, Polónia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Bielorússia e agora Estados Unidos da América. Note-se que esta lista não é exaustiva, mas o suficiente para demonstrar que as ideologias nacionalistas e reacionárias, abençoadas pelas formações conservadoras, criaram um campo antidemocrático internacional de larga dimensão. Mais uma vez, se confirma a tese de que o avanço do imperialismo e da concentração de capital arrastam a reação política, desta vez também à escala global.
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A exacerbação nacionalista entra em choque com acordos militares e comerciais que anteriormente foram animados pelos círculos liberais. Evidencia-se um recuo, ainda nos primórdios, em relação à vigência de diversas organizações internacionais. Não é estranho que várias agências das Nações Unidas estejam sob ataque do imperialismo. Os supostos acordos de “comércio livre” tão em voga na fase anterior, estão debaixo de fogo, particularmente desde que Trump tomou o poder. O atual presidente dos EUA pulveriza o Acordo de Paris e todos os compromissos internacionais para a redução das emissões de poluentes atmosféricos, naquilo que já era a única cedência do capitalismo liberal às necessidades de preservação do ecossistema. O caminho das organizações internacionais, que promoviam a liberalização do comércio de capitais, entra agora numa fase contraditória e confusa. E o mesmo se passa com a tentativa de contrariar os fluxos migratórios, adotando políticas violentas de retorno.
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Quando, após a sua eleição como presidente, Trump recebe Marine Le Pen e a extrema-direita europeia, é o trumpismo que se encontra com a sua inspiração. Essas ervas daninhas da reação global já tinham emergido no velho continente. Era uma estratégia política exposta em vários países da União Europeia. Quando se fala, hoje, na “trumpização” da direita europeia isso quer apenas dizer que as direitas tradicionais se estão a aproximar das extremas-direitas que inspiraram Donald Trump e os seus apoiantes. Basta olhar para as eleições presidenciais em França, onde se percebe claramente que os apoiantes de François Fillon e Marine Le Pen partilham o mesmo espaço cultural. As fronteiras que outrora separavam claramente os ditos conservadores democratas e extrema-direita foram abolidas.
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O nacionalismo reacionário desvaloriza assim os quadros de liberalização internacional e procura, preferencialmente, acordos restritos entre potências, ao nível político, económico e até militar. Contudo, é alérgico a organizações supranacionais. Trump não pretende ser “o líder da NATO”, quer ser o líder do imperialismo, no qual a NATO é uma ferramenta entre outras. Para essa estratégia, as parcerias conjunturais serão várias: hoje com a China, amanhã com outros, depois de amanhã pode até ser contraditório com a própria China. Assiste-se, pois, a um retorno da escalada armamentista. Essa escalada está ligada a uma tensão permanente para legitimação da hegemonia imperialista norte-americana. Acentua-se o caráter precário e variável das alianças político-militares. Isso abre campo à ampliação da guerra imperialista contra os povos. Não é previsível um confronto entre potências. No entanto, não é de excluir que se agudizem diversos conflitos na definição de quem dá as cartas na geopolítica mundial.
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A ordem económica do subdesenvolvimento, as guerras por interesses imperialistas e projetos reacionários expulsam milhares de pessoas das suas terras natais. Muitas delas procuram refúgio na Europa. A incapacidade de resposta solidária europeia, num quadro de políticas austeritárias, faz dos migrantes alvos fáceis do discurso de ódio. Os vários fascismos completam o pano de fundo deste clima bélico e dos estados de excepção. De um lado, afirma-se o projeto político do fascismo dos califados, onde se destaca o DAESH, junto com a insegurança provocada por atentados terroristas que reivindicam, com maior ou menor consistência, a chamada “guerra santa”. Do outro lado, fascistas e reacionários europeus invocam o espírito de cruzada. A questão das migrações tornou-se hoje a fronteira da democracia, do direito dos povos à sua sobrevivência, impõe-se como o campo da paz, da humanidade e da mobilização civil. Essa resistência afirma-se nos movimentos pela paz e pelo desarmamento, contra o obscurantismo, a igualdade de género, pela justiça climática, pelo retorno dos direitos sociais, pela defesa dos refugiados e migrantes.
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A crise da União Europeia, agora sem Reino Unido, está umbilicalmente ligada a estas transformações globais, onde se repercutiram as políticas austeritárias próprias do conservadorismo - o modelo troika sintetizou a receita universal do Fundo Monetário Internacional (FMI). A contestação ao empobrecimento, à concentração de riqueza, e à devastação dos apoios sociais, conduziu a uma polarização onde a social-democracia desmaiou e a direita mais radical se afirmou. A desigualdade entre países aumentou, enquanto se reforçou o poder do diretório reacionário das potências da UE. O caso da Grécia provou que todas as heresias serão perseguidas.
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A vitória eleitoral do Syriza, na Grécia, criou grandes expetativas numa crise política na União Europeia, mas inesperadamente fracassou. Alexis Tsipras capitulou no momento em que o povo, através de referendo, dava claramente o sinal do “Não” a mais sacrifícios a mando europeu. Um rumo que cumpra os interesses dos trabalhadores e o reforço da democracia convoca quer um plano A, quer um plano B, no confronto com a União Europeia realmente existente. O programa da candidatura presidencial francesa de Jean-Luc Mélenchon apontou para essa via: “Europa: ou a mudamos, ou saímos”. Um país insubmisso deverá exigir a negociação de um novo quadro europeu que permita políticas de desenvolvimento social em rutura com o poder do Banco Central Europeu (BCE), pelo empréstimo direto aos estados, pela redistribuição do investimento público e pela reestruturação e mutualização das dívidas públicas. Se esse plano A falhar, como indicia a relação de forças atual, a saída não será a capitulação perante Berlim e Bruxelas. Nesse caso, o país deve abandonar os tratados europeus e abrir caminho a um plano B que torne possível outras formas de cooperação europeia, claramente recuperando mecanismos de soberania monetária e económica.
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Desse modo, é necessário disputar em duas frentes. Conquistar uma maioria em Portugal e conjugar esforços à escala europeia para resistir e alcançar outros modelos de cooperação. Um governo de esquerda não se pode submeter nunca ao autoritarismo europeu, devendo dispor de todas as opções soberanas que se revelem necessárias num processo político de confronto com as instituições europeias, incluindo recuperação de soberania monetária ou desvinculação de tratados. É preciso um processo de luta política que aponte as bandeiras da maioria social para a rutura, e isso acontece à medida que a União Europeia vai tornando claro que as suas políticas são odiosas para o povo português.
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A via de mobilização popular para o confronto com a Europa das potências marca uma divergência profunda no âmbito da atual maioria parlamentar. O PS não tem plano A, nem plano B e cumprir o Tratado Orçamental e o Pacto de Estabilidade é um dogma para o primeiro-ministro António Costa. Não se vislumbrando qualquer traço de crítica aos custos da regras de défice em termos de falta de investimento na economia e de subfinanciamento de escolas, serviços de saúde, transportes públicos e do Estado Social em geral. O PS nem tão pouco parece estar alerta e preparado para outros cenários possíveis, embora menos prováveis, de fim da União Económica e Monetária, por eventual saída de alguma das potências, ou expulsão de Portugal do euro, em caso de uma nova agudização da crise.
A via para uma política de esquerda em Portugal implica um confronto com o diretório europeu e exige que se provoque uma crise no aparelho imperialista chamado União Europeia. É preciso mais do que nunca disputar uma maioria popular para uma alternativa política, como sempre defendeu o Bloco de Esquerda desde a sua fundação e mantemos agora! A via para uma política de esquerda em Portugal, e na Europa, só pode ser sustentada por uma larga frente popular, com um programa progressista. Foram as políticas neoliberais que chocaram o ovo dos ultraconservadores. Essa larga frente popular não pode ter ilusões nem conciliar com qualquer forma de liberalismo para enfrentar a direita conservadora e radical.