Proposta de teses à X Assembleia da Esquerda Alternativa
Os tambores da guerra
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A Rússia invadiu a Ucrânia na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022. O discurso que Vladimir Putin dirigiu ao país, no dealbar da invasão, transbordava apetites imperialistas. As acusações a “Lenine e seus camaradas” pelo desmembramento do império russo, as referências saudosistas à “mãe Rússia”, são apontamentos de um discurso que descreveu a Ucrânia como “uma aberração política, histórica e cultural”. O aspirante a czar deu a ordem de ataque e a brutalidade da máquina de guerra russa, ainda que com dificuldades relevantes nas suas manobras, levou a uma agressão violenta à Ucrânia, forçando o êxodo de milhões de pessoas.
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Não há relativismos passíveis de normalizar a invasão russa. Registamos as movimentações da NATO ao longo das últimas décadas, o seu alargamento a leste e a sua escalada militar. A NATO é o braço armado do imperialismo dos EUA, que teve Salazar como um dos seus fundadores - tendo assim contribuído para legitimar a ditadura fascista do Estado Novo na cena internacional - e com um longo cadastro de violações do Direito Internacional: da Jugoslávia ao Iraque. No entanto, a mesma lei e o direito internacional foram violados pela Federação Russa, o mesmo tipo de mentiras são usadas para justificar a guerra na Ucrânia e a mesma Carta das Nações, consagradora do direito dos povos à autodeterminação, é posta em causa. No passado tínhamos claro que “Nem NATO, nem Pacto de Varsóvia” servem a paz entre os povos, hoje com a mesma firmeza afirmamos “Abaixo todos os imperialismos”.
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A confusão de alguns partidos à esquerda sobre as raízes da guerra na Ucrânia e a relativização das ações de Putin são erros de análise que penalizam toda a esquerda. Rejeitamos esse caminho. Da Coreia do Norte à China, de Angola à Rússia, nunca deixamos de apontar o dedo quando liberdades são atropeladas, o Estado de Direito é ignorado ou a oligarquia impõe a sua lei férrea. Do Ruanda a Timor-Leste defendemos o direito à autodeterminação dos povos e o mesmo defendemos para o povo Ucraniano. Do Saara Ocidental à Palestina não equiparamos a resistência do ocupado à agressão do ocupante. Com este património de lutas e posições, não confundimos o agressor e o agredido, não aceitamos a paz da potência ocupante, definida por quem trouxe a guerra. Exigimos uma conferência de paz mediada pelas Nações Unidas, que não olhe aos interesses destes ou daqueles oligarcas, e um cancelamento da dívida externa ucraniana para permitir a justa reconstrução do país. Em 2017 avisámos que “não é de excluir que se agudizem diversos conflitos na definição de quem dá as cartas na geopolítica mundial” e que a guerra poderia estar à espreita. Quando a guerra chega, não nos enganamos de que lado estamos: do lado dos povos e da paz.
O capitalismo é a crise
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A pandemia expôs a fragilidade do capitalismo global e escancarou as portas às desigualdades sociais. A pandemia trouxe várias crises a uma economia que já estava doente. O colapso das cadeias de abastecimento mundiais, a exposição das contradições da globalização e as paragens forçadas de atividade económica foram um golpe forte nos rendimentos do trabalho com milhões de trabalhadoras e trabalhadores a engrossarem as fileiras da pobreza extrema e da fome. Mas enquanto 99% da população mundial viu os seus rendimentos diminuírem, as 10 pessoas mais ricas do mundo duplicaram as fortunas. Para essa pequena elite usurária, a crise está a ser um grande negócio.
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A disputa pela energia está a mudar as relações internacionais e a produção. O processo de aplicação de sanções à Rússia mostra a dependência energética que a Europa enfrenta. A Alemanha e vários países do leste europeu estavam completamente dependentes do petróleo e gás russos, expondo uma fragilidade que nunca tinha sido tão visível. As mudanças acontecem a passo acelerado: a França propõe investir em mais energia nuclear, os EUA procuram aumentar a sua influência pelas exportações de gás para a Europa, o Estado Espanhol quer rasgar o processo de reconhecimento do Saara Ocidental para explorar recursos energéticos marroquinos. Este xadrez energético provoca uma espiral inflacionista, onde os especuladores dos mercados de carbono e as empresas de energia garantem lucros escandalosos, parasitando os demais setores da economia.
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A guerra deu gás à inflação, mas o problema já vinha de trás. O revés da “retoma assimétrica” que os economistas liberais apontam como causa que atrasa a recuperação económica é a materialização da selvajaria do modo de produção capitalista, que explora sem limites, esgotando os recursos do planeta. À crise ambiental e económica junta-se agora a inflação, dominadora e crescente, que reduz salários e rendimentos à medida que se agiganta.
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O governo PS, como outros na Europa, argumentam que o ciclo inflacionário será efémero. Mas escondem o facto de que as políticas que adotam, mesmo que a inflação acabe por ser controlada, resultam numa perda permanente do poder de compra das classes trabalhadoras. Essa escolha é ideológica, tem a marca dos interesses da burguesia, impondo ao fator trabalho a fatura dos lucros milionários das empresas monopolistas e oligopolistas. O caminho escolhido pelo PS, uma estagnação dos salários simultânea ao crescimento previsível da economia, vai resultar num recuo do peso dos salários no Produto Interno Bruto - o Trabalho a perder mais terreno para o Capital. O primeiro orçamento da maioria absoluta do PS é a promessa da perda de rendimento dos salários e pensões, do agravamento das desigualdades sociais e da pobreza e da quebra de investimento em setores públicos estratégicos.
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Com a inflação como desculpa, a reposição das obrigações para metas de défice e dívida pública previstas nos tratados europeus só reforça a necessidade de os combater e torna central a renegociação da dívida pública. O governo PS justifica-se com a submissão aos ditames europeus para escolhas orçamentais que fragilizam o Estado Social e os rendimentos do trabalho. Num contexto de fragilização política do bloco europeu, submisso à NATO e aos EUA, a fuga em frente é apertar os coletes de forças que já ameaçavam os povos. A cartilha europeia ataca as pessoas e os seus direitos.
Maioria absoluta, oposição resoluta
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O governo da troika e o fantasma fascista são passados aos quais a maioria do país não quer voltar. O medo de um hipotético Governo das direitas, com PSD, IL e Chega mobilizou o eleitorado de esquerda para dar uma maioria absoluta ao PS nas Legislativas de 2022. António Costa forçou a crise política, recusando negociações sérias na proposta de Orçamento do Estado para 2022, procurando descredibilizar qualquer entendimento futuro à esquerda, com o alto patrocínio do Presidente da República. A falsa polarização no final da campanha, com empates técnicos nas sondagens e um coro de comentadores a reforçar a narrativa, granjeou para o PS o voto tático até de setores do eleitorado mais militante dos partidos à sua esquerda.
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António Costa sente-se finalmente livre dos “empecilhos” de esquerda que o salvaram da derrota em 2015 e garantiram ao país, durante a Geringonça (2015-19), um caminho de recuperação de salários, pensões, de direitos sociais e de interrupção do processo de privatizações iniciado pela direita. A recusa em 2019 de um acordo de legislatura com o Bloco, com o direito do Trabalho à cabeça, era já prova clara de que o programa liberal com que perdeu em 2015 não tinha sido esquecido por Costa. A inflexão à esquerda era, para o PS, um desvio de circunstância. Nem mesmo a crise pandémica da Covid-19, com um Orçamento Suplementar viabilizado também à esquerda, fez Costa perder o horizonte da obsessão com o défice, com ou sem Mário Centeno no Conselho de Ministros.
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Programas de transformação social e ecológica precisam ainda mais do que antes da pressão das ruas. A esquerda e o campo ecologista estão reduzidos na sua representação parlamentar: com 5 mandatos para o Bloco de Esquerda, 6 para o PCP, um deputado do Livre, os Verdes fora e o PAN, que se diz “nem de esquerda, nem de direita”, reduzido à sua porta-voz. Com maioria garantida apenas com os votos PS, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e os futuros orçamentos do Estado do terceiro governo Costa serão oportunidades perdidas para resolução de problemas estruturais do país em matérias como a saúde, a educação, a habitação e a resposta à emergência climática. Ao mesmo tempo que o reforço dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras se torna um objetivo ainda mais difícil de atingir.
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A direita não dorme e o combate não para. Contando desde a derrota do segundo governo Passos Coelho até ao final da legislatura que agora se inicia, perspetiva-se um período de 10 anos sem os partidos da direita no governo. Mas isso não nos pode descansar sobre os próximos 4 anos. A extrema-direita pósfascista e a direita ultraliberal autonomizaram-se como partidos e alcançaram nas legislativas de 2022 o lugar de terceira e quarta forças políticas. E se o país se mobilizou em 2022 para que não fossem mais longe, a força da memória antitroika e antifascista não são garantias eternas, como algum apoio de camadas mais jovens denota. Um pouco por todo o mundo, o desgaste dos sociais-liberais é campo fértil para a revanche da direita. A generalização da precariedade e dos baixos salários, a degradação dos serviços públicos, o elevado custo da habitação e de perspetivas de futuro acumulam um capital de queixa que pode atingir não só o PS, mas também as outras forças que sejam identificadas com as limitações dos governos de António Costa. As direitas tudo farão para capitalizar o descontentamento popular com o pântano social. O caminho da oposição de esquerda é forçar progressos e clarificar diferenças com o terceiro governo Costa.
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A disputa do conteúdo político da palavra Socialismo, agora sempre na boca de liberais e reacionários, é outra tarefa inadiável, um debate ideológico de primeira linha. Também no caminho para 2026, aproximamo-nos dos 50 anos da Constituição que conserva no seu preâmbulo o rumo ao Socialismo. Nesse ano, serão já quase duas gerações sem um dia de PREC na sua vida, e mais de uma geração sem qualquer contemporaneidade com a existência de um bloco de países do “socialismo real”. Restam, para mau nome, caricaturas como o capitalismo chinês ou a ditadura norte-coreana e uma encruzilhada cubana. Enquanto isso, os propagandistas da economia liberal citam, de forma distorcida, exemplos avulsos de sucessos “liberais” de outros países europeus para credibilizar o seu programa de destruição social. A esquerda socialista portuguesa tem a tarefa de fazer do socialismo um horizonte concreto e mobilizador.
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O combate político em França aponta um caminho. A oposição resoluta ao centrismo liberal abriu caminho a um campo popular, ecologista e social liderado pela esquerda. A Frente Esquerda fez oposição firme ao PS de Hollande (2012-17) e, nas presidenciais de 2017 e 2022, a França Insubmissa enfrentou simultaneamente o liberal Macron e a posfascista Le Pen. Com clareza de que à segunda volta 'nem um voto para Le Pen', Melenchon nunca esqueceu que o seu adversário principal era o centrismo liberal. Foi essa via de oposição que permitiu criar para as próximas legislativas: a Nova União Popular Ecologista e Social, liderada pela França Insubmissa, que agrupa Verdes, PCF e PS e está em conversações com outras forças à esquerda. O programa de avanço dos direitos sociais, dos direitos do trabalho, da ecologia, do feminismo e de aprofundamento da democracia ganhou uma ferramenta política com grande potencial.
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Construir uma alternativa de esquerda depende não só da afirmação de um programa político próprio em oposição ao PS mas também da contribuição para a ampliação do movimento social e do campo progressista:
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O movimento do trabalho precisa de novo alento, de uma mobilização que ultrapasse sectarismos e rotinas de fechamento. No atual estado da luta de classes, a burguesia mobiliza o desenvolvimento tecnológico para forçar um aumento da precarização e da atomização do mundo do trabalho, destruindo a jornada laboral e intensificando a exploração. Precisamos de estar à altura do momento. A formação de ativistas laborais e a entreajuda entre diferentes gerações de sindicalistas e dirigentes de comissões de trabalhadores é um caminho a trilhar. A luta sindical na CGTP, que precisa de dar um salto de qualidade e perder o sectarismo, e nas organizações dos trabalhadores beneficiará desse trabalho de juntar forças. A agenda do trabalho digno não substitui o código do trabalho nem responde ao aumento da exploração sobre os trabalhadores, antes reforça a necessidade da luta.
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Nas causas feminista e LGBTI+, o favorecimento de um movimento amplo, com consciência popular e sem clivagens artificiais, plural e exigente - formará não só uma barreira contra a emergência reacionária como será a melhor vacina contra qualquer tentativa de cooptação do movimento. A luta feminista e pela igualdade de généro é instrumento fundamental do combate ao capitalismo.
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No movimento climático, a crítica do modo de produção capitalista e afirmação de uma alternativa verde e vermelha precisa de conquistar ativistas e formar maiorias sociais. A redução do horário laboral, a criação do emprego e a justa repartição de riqueza fazem parte da resposta climática. O capitalismo criou a crise e não a vai resolver, mas o caminho que prepara é de meter quem menos contribuiu para a crise climática a pagá-la.
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No luta antirracista, confrontar a herança colonial do país é uma tarefa estratégica. Trata-se de uma luta social, política, cultural e económica. Ter uma maior presença política nos territórios excluídos e racializados e formar uma nova geração de ativistas é um desafio partidário central.
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A luta contra a inflação e a perda de poder de compra é fator capaz de alcançar uma maioria social à esquerda. O PS e a direita opõem-se a uma intervenção estatal na economia que obrigue o capital a suportar os custos da inflação, transferindo-os em exclusivo para o fator trabalho. A resposta liberal à crise pode impulsionar uma aliança entre setores populares para a contestação da política governativa e abrir caminho a uma proposta de modelo económico-alternativo potencialmente maioritária.
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Um estado mínimo na qualidade e no cumprimento das suas funções sociais é a consequência direta do cumprimento das regras liberais impostas pelos tratados europeus, que a maioria absoluta do PS vai intensificar. O seguidismo acrítico das metas de défice e da dívida abrem caminho à liberalização e consequente privatização dos bens comuns, um velho objetivo da direita. O descontentamento com as insuficiências dos serviços públicos tem de ser direcionado para lutas em defesa da sua melhoria, um pacto intergeracional que renove o contrato social e aprofunde a democracia, e mobilizar a esquerda para o debate político sobre a necessidade de revisão dos tratados europeus.