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Andamos a viver acima das nossas possibilidades?

Dizer que os portugueses e o país viveram durante muito tempo acima das suas possibilidades foi a justificação oficial para a implementação de sucessivos planos de austeridade. Diziam que a dívida pública era a prova de que andamos a gastar o que não tínhamos.

A dívida foi e é a chantagem e a legitimação do saque aos trabalhadores e às trabalhadoras. É em nome dela que se reduz salários, cortam-se pensões, aumentam-se impostos e se destrói o Estado Social. Diz-se que os portugueses gastaram desenfreadamente, por isso criaram dívida. Logo, é preciso ‘ajustar’ os rendimentos dos portugueses. Diz-se que o Estado gastou demais durante muito tempo, o que criou dívida. Logo, é preciso ‘ajustar’ o Estado, o seu tamanho, os seus serviços e a sua possibilidade de despesa.

Nada mais falso! Como veremos, nem os portugueses e as portuguesas tiveram comportamentos individuais despesistas, nem o Estado português era excessivamente pesado, nem a austeridade diminuiu a dívida. Ao invés, aumentou-a!

Segundo o Inquérito à Situação Financeira das Famílias 2010 levado a cabo pelo Banco de Portugal e pelo INE, 63% das famílias não devia nada aos bancos nem a outras instituições financeiras e eram, em regra, as famílias com maiores rendimentos as que contraíam mais empréstimos. Logo, não parece haver um padrão de comportamento dos portugueses que justifique a acusação de que vivemos acima das nossas possibilidades e que agora temos que pagar por isso.

Sobre o peso excessivo do Estado: Portugal tem estado sempre em linha, na última década, com a média europeia no que toca ao peso da despesa pública no PIB. Há, inclusivamente, áreas em que nos encontramos abaixo daquilo que é a média europeia. Por exemplo, Portugal gasta menos em saúde e em proteção social do que a média da U.E. a 27. Podemos daqui inferir que afinal o nosso Estado não era excessivo nem obeso, não se podendo justificar, por este lado, nem a dívida pública existente nem a tal ‘necessidade de ajustamento’ nas despesas sociais do Estado.

Terceiro desmentido sobre a narrativa oficial que justifica a necessidade da austeridade: a dívida pública não tem parado de crescer e cresceu mais aceleradamente com o Programa da Troika. Em 2000, a dívida pública era de 48,4% do PIB português; em 2008 (ano em que eclodiu a crise financeira a nível mundial) a dívida pública era de 71,7% do PIB (não muito longe dos 60% que são atualmente exigidos pelo Pacto Orçamental). No entanto, em 2011 (ano em que se iniciou o programa da troika) a dívida pública terminou o ano já em 108,2% e não parou de crescer, tendo chegado aos 129% no final de 2013.

Como se vê, a austeridade não dominou a dívida, mas continua a ser em nome do controlo da dívida que se defende mais austeridade.

Coloca-se a questão: como chegamos, então, a esta dívida?

Em primeiro lugar, percebamos os valores da dívida: a pública, segundo os critérios de Maastricht, é de 129% do PIB, qualquer coisa como 213 mil milhões de euros. No entanto, a dívida de todo o setor público não financeiro é superior a 163% do PIB. Aqui se inclui, entre outras, as empresas públicas, muitas delas com dívidas avultadas, seja resultado de negócios ruinosos para o Estado (como as PPP) seja porque são usadas para desorçamentação (caso das empresas de transportes).

Importante é também conhecermos a dívida externa portuguesa; isto é, a dívida que o Estado, a banca e privados contraíram ao exterior. Esta é a dívida que verdadeiramente nos fragiliza por nos deixar mais dependentes e por impor uma transferência avultada da riqueza produzida em Portugal para o exterior na forma de pagamento de empréstimos. No final de 2013, a dívida externa bruta de Portugal (total que o país deve ao estrangeiro) era de 299% do PIB (ou seja, três anos de toda a riqueza produzida em Portugal).

A dívida, em particular a externa, conheceu a sua subida regular a partir do momento das privatizações em massa e da liberalização dos mercados.

Portugal, país com pouco investimento na sua produção manteve uma balança comercial deficitária. Ao contrário, países como a Alemanha acumulavam excedentes e decidiam voltar a rentabilizar esse dinheiro em forma de crédito, emprestando-o a países deficitários e cobrando os juros associados. Portugal ficava, portanto, duplamente penalizado: porque importava desses países mercadorias de maior valor acrescentado, gerando défice comercial e, ao mesmo tempo, pedia empréstimos a esses mesmos países, ficando obrigado ao posterior pagamento de juros. Era uma dupla dívida que se acumulava.

Por seu lado, as privatizações, nomeadamente de setores estratégicos naturalmente monopolistas e rentáveis deixaram o Estado português com menos receitas próprias, por isso mais dependente de crédito vindo do exterior.

A banca portuguesa, perante esse crédito disponibilizado pelo exterior, aprofundou, ela própria, o mercado e o negócio do crédito em Portugal, criando uma bolha especulativa. Em 2008, o passivo da banca portuguesa ao exterior era de 160.000 milhões de euros.

Estas são algumas das explicações para a existência da atual dívida, às quais se juntam outras bem conhecidas: negócios feitos através do Estado como PPPs ou compras de submarinos e outro material militar, recapitalização da banca privada, socialização dos prejuízos do BPN... Tudo dívida resultante de negócios onde a ligação promiscua entre o poder político e os interesses económicos e financeiros são evidentes.

De 2011 até ao final de 2013 há um novo pico de dívida: ela cresce, nestes quase 3 anos, de 108% do PIB para 129%. Para tal contribuiu em muito os encargos com o empréstimo de 78.000 milhões de euros feitos à troika, mas não só: a austeridade fez com que o PIB português recuasse para níveis inferiores aos de 2007 (o que aumenta o peso da dívida) e os juros a que Portugal foi sujeito aprofundou o endividamento.

Perante este cenário, a dívida e o seu pagamento absorverá grande parte dos recursos portugueses, deixando o país totalmente amarrado: Os juros da dívida representaram mais de 4% do PIB português em 2013 e representarão 5% em 2014, absorvendo mais dinheiro público do que aquele que é canalizado para a educação. Até 2020, a dívida exigirá de Portugal o pagamento de 103,3 mil milhões de euros e ainda prevê o pagamento de 68 mil milhões em juros.

 

Em resumo

- A dívida pública portuguesa aumentou a partir do momento da liberalização do mercado e das privatizações do setor empresarial do Estado;

- Agravou-se com o crescente endividamento face ao exterior. Países com uma balança comercial excedentária começaram a vender crédito a Portugal e à banca portuguesa;

- Dessa forma, tanto o país como a banca portuguesa, passaram a uma nova fase de maior endividamento e de maior dependência para com o exterior;

- Com o crescimento da dívida externa, grande parte da riqueza gerada no país não é reinvestida na economia nem no poder de compra das pessoas; pelo contrário, é transferida para o exterior;

- Mais recentemente, a injeção de dinheiro público na banca e a nacionalização do BPN representaram – a par de outros negócios criadores de dívida – um novo aumento da dívida portuguesa;

 

A dívida como chantagem política

A questão não é puramente económica, mas sim política. Tanto a Comissão Europeia como o FMI já vieram dizer que, embora o programa da troika termine em junho deste ano, a austeridade tem que continuar. Aliás, cada uma das instituições já apresentou o seu cardápio de cortes e ‘reformas’ ao Governo português.

Não nos enganemos, a tão badalada saída da troika nada representa porque ficam cá outros instrumentos de chantagem: exemplo disso é o Tratado Orçamental, que obriga a uma redução da dívida e do défice e a um teto máximo fixo dos mesmos. Resultado: austeridade perpétua.

Vejamos, por exemplo, as projeções do FMI sobre Portugal para os próximos anos, ou detenhamo-nos nas contas de Cavaco Silva ou de Passos Coelho sobre o caminho necessário para a sustentabilidade da dívida e para o cumprimento das metas do Tratado Orçamental:

Diz o FMI no relatório da 11ª avaliação do programa da troika que a dívida portuguesa é sustentável e começará uma curva descendente se se garantir que Portugal cresce, já em 2014, 1,2% e se em 2017 estiver a crescer a 1,8%. Ao mesmo tempo, a taxa de juro sobre a dívida, durante este período, deve andar nos 3,7% e deve-se garantir sempre um excedente no saldo primário (esse excedente deve ser, em 2019, de 3,25%).

Cavaco Silva, no prefácio aos Roteiros VIII, colocava um cenário idêntico: para garantir a sustentabilidade da dívida, e colocando a hipótese de um crescimento anual do PIB em 4% e de uma taxa de juro média de 4%, Portugal necessitaria de um saldo primário positivo anual na ordem dos 3%.

Passos Coelho, com outros números, colocou os mesmos objetivos qualitativos: garantir um crescimento anual entre os 1,5% e os 2% e um excedente primário anual perto dos 2%.

Quer isto dizer o quê? Que para além de termos que garantir um sucessivo crescimento económico, Portugal deve garantir que, ano após ano, as suas receitas próprias devem ser sempre superiores às suas despesas. Noutras palavras: Portugal tem que continuar a cortar, e muito, nas suas 'despesas'. E, como já se provou que afinal não havia tantas 'gorduras' quanto isso, tem que se cortar mesmo no músculo e não na gordura: isto é, Estado social, segurança social, funcionários públicos!

Quer isto dizer que FMI, Comissão Europeia, Cavaco Silva e Passos Coelho estão já a preparar o próximo argumento para justificar a austeridade. Será qualquer coisa como: 'Para cumprir as metas do Tratado Orçamental Portugal tem de reduzir com urgência a sua dívida pública, por isso temos que continuar os sacrifícios para atingir esse objetivo!'.

Esse é que é o objetivo: austeridade! Ela permite esmagar salários e a organização coletiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, precarizando-se as relações de trabalho. Ela permite que se procedam a pacotes de privatização de empresas públicas estratégicas, monopolistas e rentáveis. Ela – a austeridade – permite o ataque sobre a escola e a saúde pública, criando caminho para o crescente peso dos privados nestas áreas, assim como na segurança social.

A dívida é o instrumento; a austeridade o caminho escolhido, mas o terreno em que nos encontramos e lutamos é o da luta de classes e é preciso não perder esse norte!

 

Em resumo

- Até agora, dizia-se que a austeridade era uma condição imposta pela troika para se proceder ao tal 'ajustamento' (que já vimos ser injustificado e usado apenas como chantagem);

- A saída da troika não levará consigo a austeridade, porque a austeridade, como se comprova, é o programa e o plano político do capitalismo.

- Como instrumentos para manter a austeridade sobre o povo e sobre o país ficam: 1) o Tratado Orçamental, apoiado pelo PS, PSD e CDS; 2) o novo argumento que para haver sustentabilidade da dívida é necessário que Portugal garanta, durante vários anos consecutivos, um saldo primário positivo;

- O saldo primário é a relação entre as receitas e as despesas do Estado, excluindo os juros. O que o FMI, Cavaco Silva e Passos Coelho dizem é que para a dívida ser sustentável sem uma reestruturação eficaz é preciso que Portugal, ano após ano, consiga ter mais receitas do que despesas;

 

A dívida, o negócio e a reestruturação

Os que insistem que a dívida se deve pagar de acordo com as exigências dos credores, rejeitando qualquer reestruturação e sujeitando o país a sacrifícios constantes não o fazem por responsabilidade ou honestidade. Fazem-no para ter o pretexto para a aplicação de um programa austeritário ostensivamente antissocial.

Por outro lado, os que defendem a reestruturação da dívida para que se libertem recursos para a dinamização económica e para o investimento público não o devem fazer apenas por pura macroeconomia, mas também para derrotar o instrumento de chantagem que pende sobre a cabeça do povo e para derrotar a austeridade.

A dívida foi gerada pelo negócio, continua a ser um negócio e por isso não a querem reestruturar! A título de exemplo, referir que a dívida portuguesa foi tida como uma das mais rentáveis para os 'investidores'. Segundo o índice da Bloomberg, em 2013, a rentabilidade da dívida portuguesa foi de 9,62%. Ou seja, negócio!

A dívida foi um negócio e não resultado do comportamento despesista dos portugueses. Foi um negócio e continua a ser um negócio, não só para as instituições que compõem a troika (a quem pagaremos 34 mil milhões de juros por um empréstimo de 78 mil milhões), mas também para os especuladores que vivem dos juros da dívida, como para o capitalismo em geral que se está a recompor através da desvalorização do valor do trabalho, da apropriação de setores públicos estratégicos e da criação de novos mercados nomeadamente na saúde e na educação.

Por isso se percebe que haja quem não queira reestruturar a dívida. Uns porque ganham com o atual estado de coisas, outros porque a austeridade é o seu programa político. Mas também temos que perceber que nem todas as propostas de reestruturação apontam no mesmo sentido ou defendem os mesmos interesses.

O Manifesto dos 74

Aquele que ficou conhecido como o Manifesto dos 74 mostrou que existe um consenso nacional em torno da necessidade de reestruturação da dívida portuguesa. Esse consenso foi demonstrado não só na composição dos seus promotores (e na sua transversalidade político-partidária), mas também na rápida adesão à petição associada ao Manifesto, que em apenas 10 dias recolheu mais de 35000 assinaturas.

O Manifesto refere que sem libertar Portugal do peso excessivo da dívida e dos juros não é possível libertar recursos para abrir um processo de desenvolvimento e investimento fundamental para a nossa economia. É correta essa aceção.

A reestruturação proposta incide sobre os juros, o prazo de pagamento da dívida (maturidade), e sobre o montante dessa própria dívida (stock da dívida). O Manifesto propõe “o abaixamento significativo da taxa média de juro”, “a extensão da maturidade das dívidas para 40 ou mais anos” e a reestruturação da dívida acima dos 60% do PIB. Refere ainda que esta reestruturação deve ter na base a dívida ao setor oficial (dívida detida pelas instituições como o BCE, o CE e o FMI) e deve ser feita dentro do quadro institucional europeu.

A proposta em si, apesar de dever ser valorizada, fica aquém daquilo que é, nomeadamente, a proposta do Bloco de Esquerda. Por exemplo, ao ter na base apenas a dívida aos credores institucionais (setor oficial) deixa de fora alguns credores que o Bloco de Esquerda considera deverem ser envolvidos neste processo; de igual forma, a insistência de se fazer a reestruturação dentro do quadro institucional europeu pode dificultar o processo de reestruturação, amarrando Portugal a uma Europa que não é solidária com os países periféricos. Uma Europa que sendo uma das credoras de Portugal pode levar a um processo de reestruturação baseado na vontade do credor e não na vontade do devedor. Foi, aliás, o foco de análise às reestruturações feitas na Grécia e que mantiveram a Grécia na rota da crise, do empobrecimento, tendo associado a essas reestruturações renovados e reforçados planos de austeridade. Por último, a perspetiva do pagamento da dívida em função do crescimento da economia e das exportações - tal como a possibilidade da existência de um período de carência - é omissa no Manifesto.

Reestruturações há muitas...

Reestruturar a dívida é toda e qualquer mudança sobre o perfil da dívida, envolvendo pelo menos uma das suas componentes: prazos de pagamento (maturidade), taxa de juro (preço) e montante (valor). Dentro das possibilidades de reestruturação, as propostas, em concreto para a dívida portuguesa, têm sido variadas e convém compreender as diferenças entre si.

- Proposta de reestruturação feita pelo Manifesto dos 74:

- aumento das maturidades, isto é, extensão do prazo de pagamento;

- abaixamento dos juros;

- reestruturação da dívida acima dos 60%, ou seja, alteração ao montante da dívida.

A reestruturação proposta é, no entanto, feita tendo por base apenas os credores institucionais (setor oficial) e dentro de um quadro institucional europeu.

Ora, a reestruturação feita tendo por base apenas o setor oficial é uma reestruturação que perdoará e protegerá toda a banca e 'investidores' privados, principais especuladores sobre a dívida soberana portuguesa. Por outro lado, uma reestruturação feita no quadro institucional europeu deixa a reestruturação presa ao apetite da Europa ou então de credores como o BCE e a CE, abrindo portas a uma reestruturação por iniciativa do credor o que, como aconteceu na Grécia, vem sempre associada a novos pacotes de austeridade. O quadro institucional europeu, caso não seja rompido, é o quadro do Tratado Orçamental que fomenta a austeridade permanente.

- Proposta de reestruturação feita pelo PS:

- aumento das maturidades (extensão dos prazos de pagamento);

- redução dos juros;

É uma proposta recuada que se recusa a mexer nos montantes da dívida. É uma posição que salvaguarda o interesse daqueles que durante anos especularam sobre a dívida portuguesa e fizeram da ruína do país o seu negócio dourado. O PS apenas exigiu, no passado, que o BCE devolvesse a Portugal os lucros obtidos com a compra de dívida soberana, deixando ilesos e intocados o FMI e todos os especuladores privados.

O PS tem também defendido a mutualização da dívida acima dos 60%, proposta fraca por não haver vontade europeia para permitir e implementar esse mecanismo. Outro revés dessa proposta seria o do reforço do caminho para a união bancária e para a criação de uma ministro das Finanças europeu que usurparia ainda mais independência aos Estados membros no que toca a decisões sobre finanças públicas.

- Proposta de reestruturação feita pelo PCP:

- alteração das maturidades, estendendo os prazos de pagamento;

- redução dos juros;

- alteração aos montante da dívida;

- condicionar o pagamento do serviço da dívida ao crescimento económico português;

- mecanismo de proteção dos pequenos aforradores, ou seja, a reestruturação dos montantes da dívida não abrangeriam estes detentores de dívida portuguesa

O PCP tem tido, no entanto, uma posição pública ziguezagueante sobre a dívida portuguesa. Já assumiu, por um lado, que é objetivo do PCP pagar tudo; por outro lado, tem colocado sempre, em conjunto, a proposta da saída do Euro, como tem vindo a ser regularmente assumido pelo seu candidato às Europeias.

- A proposta do Bloco de Esquerda:

- alteração das maturidades, estendendo os pagamentos no tempo. Faria essa extensão substituindo o stock da dívida por novas Obrigações do Tesouro, com um período de carência até 2020 e com um prazo de pagamento de 30 anos;

- redução dos juros: corte na totalidade do pagamento de juros do empréstimo internacional (tendo em conta que os principais financiadores obtêm capital a 0% de juro); indexação do pagamento dos restantes juros à evolução positiva das exportações de bens e serviços e da evolução da economia (isto é, Portugal só pode pagar se a economia estiver saudável);

- corte no montante (em metade do montante total da dívida), fazendo-a baixar, desta forma, até 60% do PIB.

- proteção dos pequenos aforradores pequenos aforradores.

A proposta do Bloco chama ao sacrifício as instituições internacionais que pretendem fazer um negócio milionário com o empréstimo feito a Portugal, assim como os credores privados da dívida que durante os últimos anos garantiram uma rentabilidade rentista com a especulação sobre a dívida portuguesa, prevê um período de carência e condiciona o pagamento de juros (aqueles que não foram reduzidos a 0%) ao crescimento da economia. Desta forma, torna-se clara a prioridade a assumir: primeiro, dinheiro para desenvolver a economia e proteger o contrato social que o Estado fez com as pessoas.

Ao contrário de propostas de reestruturação enquadradas no quadro e nos ditames das instituições europeias (que previsivelmente virão acompanhadas com novos planos de austeridade, o Bloco junta à sua proposta de reestruturação a necessidade de libertar o país, a economia e as pessoas de mais austeridade).

- A Esquerda Alternativa já colocou a questão da reestruturação da dívida no documento 9 Teses sobre a Situação Política, relevando como necessário ao sucesso da reestruturação:

1) que a mesma aconteça por via do devedor e tendo em conta os interesses do devedor e não do credor;

2) que a reestruturação deve assumir claramente uma redução do montante, rejeitando o pagamento de dívida ilegítima;

3) uma reestruturação feita por um Governo em oposição e refratário para com o quadro institucional austeritário;

4) a nacionalização da banca como principal arma para uma reestruturação bem-sucedida.

 

Em resumo

- As propostas de reestruturação não propõem todas o mesmo, não defendem todas os mesmos interesses e têm consequências diferentes;

- Há propostas (como a do PS) que não mexem nos montantes, mantendo intocáveis os lucros que os especuladores tiveram e têm com a dívida portuguesa. Há outras (como a do Manifesto dos 74) que não se propõem a mexer nos montantes detidos pelos privados;

- Há propostas que se podem traduzir em novos planos de austeridade, como, por exemplo, as que se propõem a uma reestruturação num quadro institucional europeu, quando esse quadro é o do Tratado Orçamental e é o quadro no qual dominam os detentores oficiais de dívida pública portuguesa;

- Quando falamos de reestruturação, devemos exigir uma solução que não beneficie aqueles que andaram a especular sobre a dívida portuguesa e que tome uma opção: as pessoas e o país em vez do lucro dos credores! Para isso, é preciso que a reestruturação mexa com os lucros dos especuladores e liberte dinheiro e recursos para o crescimento da economia e para o aumento do poder de compra das pessoas. Rejeita, desta forma, qualquer nova medida de austeridade.

 

A importância que a reestruturação da dívida assumiu na sociedade portuguesa é evidente. Por um lado, porque cada vez mais se percebe que é necessário libertar recursos para que a economia cresça com repercussões para a valorização salarial e para a criação de emprego com direitos. Por outro lado, porque há cada vez mais propostas em torno da reestruturação que levam a uma discussão pública importante sobre o assunto, se bem que, por vezes, seja cacofónica.

Mas sejamos claros sobre o assunto. As várias propostas de reestruturações são bastante diferentes entre si, como já vimos... Desde a proposta do PS que poupa os credores e os que especularam sobre a dívida portuguesa até à proposta do PCP que aparece tantas vezes associada à saída do Euro; desde as propostas do Manifesto dos 74 que apenas considera os credores oficiais, poupando os privados, passando pela proposta do Bloco que recusa jogar o jogo em que a dívida é um negócio onde apenas os credores ganham e indexa o pagamento do serviço da dívida ao crescimento do país, as soluções são muito diversas e refletem diferenças substanciais.

Uma dessas diferenças, talvez uma das principais, tem a ver com o facto de o PS (que tem a proposta mais recuadas de todas) ser apoiante do Tratado Orçamental que impõe tetos máximos invariáveis ao défice e à dívida, assim como a imposição da redução da dívida portuguesa a todo o custo, o que implica a continuação e o aprofundamento da austeridade.

O que une quando se fala da necessidade de reestruturar, separa quando se pergunta 'como reestruturar e à custa de quem?', perguntas fundamentais, pelo menos para quem não perde o centro da discussão.

Reestruturar com austeridade associada não serve os interesses de quem defendemos, tampouco a solução de reestruturar perdoando os especuladores porque, dessa forma, é o contribuinte que vai absorver toda a especulação e negócio feitos pelos privados em torno da dívida.

Alguns dizem que é possível criar um novo sujeito político em torno da reestruturação da dívida e do Manifesto dos 74. É uma abstração.

A proposta sobre a constituição desse sujeito político não tem substância. Entre as várias propostas de reestruturação existem interesses e defesas de interesses muito diferentes, existem lados diferentes do ponto de vista de luta de classes. Não são lados diferentes que se tornaram iguais; são lados diferentes que continuam diferentes, a defender interesses diferentes. Será possível acreditarmos que António Saraiva (presidente da CIP) e o Bloco de Esquerda estão no mesmo lado na luta de classes?

O ataque à austeridade é central!

A ideologia do Governo e da Europa, vozes dos interesses financeiros e económicos, tem sido a da austeridade autoritária. Isto é, uma austeridade imposta. Sacrifícios obrigatórios, sempre tidos como inevitáveis. Impostos porque a população não teve palavra sobre eles. Eles não constavam de programas eleitorais, foram impostos por entidades externas, democraticamente ilegítimas, com pacotes de medidas também elas ilegítimas.

Essa tem sido a ideologia: a austeridade, que tem sido a nova cara do capitalismo e que tem permitido uma enorme transferência de riqueza do trabalho para o capital, do povo para um punhado de fortunas e especuladores.

A chantagem sobre a dívida, neste contexto, é apenas um instrumento que utilizam para legitimar a continuação de um programa de austeridade imposto de fora para dentro. Por isso, devemos reconhecer que a austeridade é que é o centro da luta no momento que vivemos.

É óbvio que a reestruturação da dívida, de forma a conseguir libertar recursos para uma outra política – de crescimento e de valorização do trabalho – é importante e por isso é que a defendemos. Mas convenhamos, não é essa política que o PSD e o CDS querem. Também não é a política do PS, caso contrário não tinha votado favoravelmente o Tratado Orçamental, que inscreve tantas limitações às despesas do Estado que, na verdade, é um instrumento para a austeridade permanente.

É no campo das medidas políticas, das medidas anti-austeritárias que percebemos quem é quem e quem está do lado de quem. É neste campo que se fragiliza a ideia da constituição de um sujeito político em torno da dívida.

O combate à austeridade é que nos porá frontalmente no combate ao capitalismo e na defesa da população.

 

Documento aprovado na reunião da Direção da Esquerda Alternativa

 

Fotografia: Manifestação "Que se Lixe a Troika"/Paulete Matos