Anteprojeto de tese à V Assembleia da Esquerda Alternativa apresentado pela Comissão de Teses

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1. A IX Convenção foi fator de viragem no Bloco de Esquerda. O pluralismo nas eleições internas mais disputadas de sempre reforçou a democracia interna e permitiu o realinhamento do programa político bloquista, deixando cair a proposta ao PS para formar um governo comum, clarificou os rostos e a visibilidade do partido. Esta orientação foi chave para a formação da atual maioria parlamentar, sem que o Bloco participe no governo.

2. A recuperação de um projeto político próprio fez o Bloco voltar a crescer eleitoralmente. Pelo caminho ficaram, ainda antes da IX Convenção, as propostas confluência com 3D/Livre/Tempo de Avançar[1], de todos aqueles que achavam que devíamos ir a reboque do PS. Do mesmo modo, a aspiração do Manifesto por uma coligação eleitoral Bloco-PCP não teve qualquer consistência nem seriedade, devido à conduta autossuficiente do PCP, como as negociações recentes para alcançar uma maioria parlamentar demonstraram e as próprias presidenciais viriam a confirmar.

3. Nas legislativas de 2015 e na candidatura presidencial de Marisa Matias, o confronto com o Tratado Orçamental, em nome da Constituição e da defesa dos direitos sociais nela inscritos, foi estruturante de um apoio popular ao nível dos 10%. Catarina Martins nas legislativas e Marisa Matias nas presidenciais tiveram um desempenho que se tornou um referente para as transformações da esquerda política.

4. Apesar dos resultados do Bloco, a força social e política da direita não deve ser subestimada. Mesmo depois das greves e mobilizações populares anti-austeridade (2012/2013), a coligação de direita, ainda que minoritária, volta a ser a força mais votada nas legislativas de 2015 e Marcelo Rebelo de Sousa, seu patrono, é eleito presidente da república à primeira volta.

5. O projeto social-liberal e de conciliação com Bruxelas protagonizado por António Costa nas legislativas de 2015 não foi capaz de lhe garantir chegar em primeiro lugar, apesar da odiosa política da direita nos últimos quatro anos. A situação é tanto mais vulnerável para o líder do PS quanto a política de austeridade da troika e do Governo PSD/CDS destruíram o emprego, expulsaram milhares de jovens do país, saquearam as reformas, delapidaram património e serviços públicos. António Costa e o PS não teriam formado governo se não se tivessem comprometido com as exigências da esquerda parlamentar. Sublinhe-se que o crescimento do Bloco e do PCP foram fundamentais para uma derrota do programa conservador PSD/CDS e para várias vitórias populares, traduzidas a nível institucional.

6. A formação de uma maioria parlamentar, um arco constitucional, de apoio a um governo do PS foi um passo necessário para a concretização dos interesses populares imediatos, recuperar rendimentos e garantir direitos (lei da adoção por casais do mesmo sexo, reposição da lei do aborto na sua versão anterior). O crescimento da esquerda obrigou o PS a fazer uma inflexão temporária na via social-liberal. A lição do colapso do PASOK parece ter sido temida pelo PS português, que por isso optou por não dar a mão à direita desta vez. No entanto, importa recordar que o PS se apresentou às legislativas com o programa mais liberal de sempre e que continua atrelado ao quadro do federalismo autoritário de Bruxelas e do militarismo da NATO.

7. É certo que conseguimos com este acordo viabilizar aspetos importantes. Reverter privatizações dos transportes públicos urbanos, repor os quatro feriados nacionais antes eliminados, devolver cortes salariais da função pública, diminuir para 35 horas semanais a carga laboral no setor público, eliminação da sobretaxa no IRS, reposição do Complemento Solidário para Idosos, do Abono de Família, entre outros. No entanto, as limitações deste acordo de mínimos fizeram-se sentir logo no Orçamento Retificativo. O Governo PS fez a recapitalização do BANIF à custa dos contribuintes, mais 3 mil milhões de euros injetados na banca privada. As regras relativas aos bancos não mudaram e Novo Banco poderá significar a breve trecho novo prejuízo para o Estado, através da privatização.

8. Apesar do Orçamento do Estado de 2016 cumprir os acordos firmados com os partidos da esquerda parlamentar, é um orçamento muito insuficiente. O fraco aumento das pensões e salários e as limitações orçamentais da saúde ou na educação são dois exemplos dos resultados limitados de um governo que não faz frente a Bruxelas e Berlim. A obediência ao Tratado Orçamental torna impossível a execução de políticas progressistas e a feitura de um orçamento digno de um Estado Social. Verificou-se, portanto, acertada a recusa do Bloco em participar num governo comum.

9. Conscientes destas limitações, consideramos que as tarefas imediatas do Bloco passam por cumprir e fazer cumprir os acordos que formaram a maioria parlamentar, procurando aprofundá-los no sentido de obter mais conquistas para os trabalhadores e o progresso social. Simultaneamente defendemos que o Bloco deve fazer o caminho para a criação de uma alternativa real, para além do PS.

10. A nosso ver, o objetivo do Bloco de Esquerda deve ser um governo alternativo, apoiado por uma maioria social, que referende as políticas europeias, nacionalize setores chave da economia, imponha uma reforma fiscal que taxe o capital. Um governo que reestruture a dívida, suspenda a participação de Portugal na NATO, e participe na construção de uma Europa unida solidariamente em torno da paz e da elevação dos padrões sociais e ambientais. A estratégia de rutura com o rotativismo ao centro continua válida para o Bloco. O Governo PS mostra o esvaziamento estratégico do centrismo. Quando, a propósito do Orçamento de 2016, António Costa diz que articulou a maioria parlamentar e Bruxelas, testemunhando a pretensa veracidade da sua tese da austeridade inteligente, engana-se a si próprio. O austeritarismo requer ruturas e elas têm que surgir perante a espiral das chantagens.

11. Os próximos desafios eleitorais do Bloco de Esquerda fazem parte desse processo de construção de base social para a alternativa. Nas eleições regionais dos Açores, tal como anteriormente nas da Madeira, a apresentação de listas e programas próprios é, na nossa opinião, a via que corresponde à estratégia bloquista e que melhor serve as Autonomias e o país. O Governo do PS dos Açores seguiu sem quebra o memorando da troika. O presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, discordou abertamente da solução de governo na República. Tudo isso obriga a uma campanha de forte oposição ao executivo regional em funções em benefício das propostas progressivas do Bloco de Esquerda-Açores e do que tem sido o empenho parlamentar de Zuraida Soares.

12. Sem ilusões num transporte de resultados entre eleições legislativas e autárquicas, as candidaturas às eleições municipais e de freguesia cumprem também elas o papel de enraizamento bloquista ao longo do território nacional.

13. Estimular o aparecimento de novos protagonistas da política local e novos ativistas leva tempo e concorre com o espaço ocupado pelo PSD, o PS e o PCP durante as décadas do poder autárquico anteriores ao aparecimento do Bloco. Ainda que os resultados tendam a ser mais modestos que os atingidos em eleições de legislativas, a luta por ampliar a representatividade local do Bloco só pode influenciar positivamente o seu progresso a nível nacional.

14. O Bloco propõe para a sociedade uma nova forma de fazer política local. Esse elemento faz parte do aprofundamento da democracia. É necessária a afirmação de novos protagonistas da política local que pugnem pela democracia participativa e a transparência, a rutura com as ligações entre interesses privados e poderes públicos, a remunicipalização e o reforço da qualidade dos serviços locais de águas, recolha e tratamento de resíduos, o corte com a submissão a programas de austeridade local (PAEL e FAM).

15. Segundo o nosso entendimento, para concretizar esses objetivos, novos protagonistas e nova política local, as candidaturas autárquicas apoiadas pelos bloquistas só poderão assumir a forma de listas do Bloco de Esquerda abertas à participação de independentes, ou de listas de cidadãos que ao nível dos seus protagonistas e do programa sejam representativas da viragem pela qual o Bloco se bate. Consideramos que a participação dos ativistas do Bloco nos desafios eleitorais locais e na dinamização de lutas sociais é uma via para o desenvolvimento do partido. Um campo de meio milhão de votos corresponde a uma confiança popular a que o Bloco deve corresponder. Abrir as portas à militância e ao ativismo é o primeiro sinal para uma Convenção mobilizadora de um novo impulso. Quando já ninguém espera que o Bloco de Esquerda seja satélite de qualquer força, só resta apontar à maioria.

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[1] A seu tempo um documento da Direção da Esquerda Alternativa analisou “Os objetivos do Manifesto 3D e o Bloco de Esquerda”. Disponível em <http://esquerdaalternativa.bloco.org/documentos/19-os-objetivos-do-manifesto-3d-e-o-bloco-de-esquerda.html>.

Foto de Paulete Matos.