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Proposta de Tese 2, "O Governo, refém de Bruxelas", à VI Assembleia da Esquerda Alternativa.

1. O governo minoritário do PS, com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP, é um caso atípico, desalinhado dos enquadramentos dos partidos da Internacional Socialista. Essa governação incomum permitiu reverter algumas das imposições da troika e medidas do governo submisso do PSD/CDS. O caráter minoritário do Governo PS deriva do facto de os partidos à esquerda não partilharem o seu posicionamento pró-tratados europeus e pró-NATO e terem recusado a sua participação no Governo. O quadro invulgar das legislativas de 2015 levou, no entanto, a que os partidos da esquerda parlamentar viabilizassem esse governo. Tal viabilização era condição necessária ao derrube do governo de maioria relativa PSD-CDS, que tinha sido nomeado pelo Presidente Cavaco Silva, e o seu programa de austeridade. Esta maioria parlamentar de PS, Bloco de Esquerda, PCP/PEV não configura um governo de coligação, nem a obrigatoriedade do voto nos orçamentos anuais, tomados como moções de confiança periódica.

2. Afigura-se atrasado o cumprimento do acordo estabelecido entre o PS e os partidos à sua esquerda, com claras implicações nas condições de vida do povo português. Nomeadamente, na posição conjunta com o Bloco de Esquerda, estão por cumprir matérias centrais como o aumento do Salário Mínimo Nacional, o descongelamento das carreiras da Administração Pública, o combate à precariedade, ou a reversão do “brutal aumento de impostos” de Vítor Gaspar, retomando a progressividade do IRS pré-troika. O PS quer agradar a Bruxelas, à ortodoxia dos mercados financeiros, começando a colocar em risco a legitimação parlamentar do próprio governo, que não é sequer de maioria relativa.

3. O Programa de Estabilidade que o Governo PS entregou em Bruxelas foi contestado pelos partidos à sua esquerda. Esse documento demonstra uma radicalização do programa económico do PS, apontando para um défice, em 2018, de 1% e para um saldo primário superior a 5 mil milhões de euros. O conteúdo político do programa é hoje mais próximo das exigências da Comissão Europeia do que o já muito liberal programa que o PS levou a votos nas eleições de outubro de 2015. Essa viragem à direita foi feita com indiferença política em relação aos seus parceiros parlamentares à esquerda, que obviamente se distanciam deste programa.

4. Com as atuais intenções expressas pelo Governo PS fica, uma vez mais, demonstrado que, se não fosse a pressão do Bloco de Esquerda e do PCP/PEV, caso o PS tivesse vencido as eleições, a sua política teria sido de mera cosmética sobre as políticas da troika e de aprofundamento do seu programa liberal. Não se teria assistido, em caso de maioria PS, às reversões de algumas das mais gravosas políticas de austeridade, nem ao balanço social de alguma recuperação que esta maioria parlamentar já pode apresentar. O Programa de Estabilidade, agora entregue em Bruxelas, é prova de que, se não fosse o acordo de maioria parlamentar, tudo seria muito pior para a vida dos trabalhadores.

5. A meio da legislatura regista-se que não houve lugar a uma reversão completa do pacote da troika. As reversões são apenas parciais e faseadas no tempo. Com metas mais rígidas que as do Pacto de Estabilidade, essas limitações passam a ser assumidas por vontade própria do Governo PS. Isto leva a que não seja possível a António Costa “virar a página da austeridade”, que era a sua bandeira das últimas legislativas. A página está no ar, mas não está virada. O investimento público está em mínimos históricos. Sem investimento público não há uma recuperação sustentada do emprego, uma regeneração dos serviços públicos, nem muito menos um relançamento sério da economia nacional. Para lá da propaganda, a política deste Governo comprova como são contraditórias as visões daqueles que querem cumprir o Tratado Orçamental e as daqueles que insistem na sua rejeição e numa nova orientação para a economia, voltada para o emprego e o investimento público. A contradição entre o Tratado Orçamental e uma política de esquerda é insanável.

6. A direita contestou desde início a legitimidade do derrube do seu governo na Assembleia da República. Num primeiro momento, contestou o PS como usurpador do poder, com uma posição alarmista e incendiária sobre o impacto do novo governo na relação com instituições do capitalismo financeiro. Numa segunda fase, a direita supôs que a Comissão Europeia ia provocar a queda do Governo. Na terceira fase, a atual, mudou de faceta. A direita percebe que não tem espaço político e que o Governo do PS tem a condescendência dos mercados e a aprovação da Comissão Europeia. A direita passou então a apontar baterias ao Bloco e ao PCP, identificando nestas forças o suposto “elo fraco” da maioria parlamentar. Insolitamente, existe uma situação política em que a direita ataca, não o Governo PS, mas essencialmente os partidos que se situam à esquerda do PS. O seu objetivo é provocatório, visando desgastar a base popular e de apoio eleitoral ao Bloco e PCP/PEV, para fazer colapsar a maioria e o governo que dela depende.

7. Ser parte da atual maioria parlamentar e alvo preferencial dos ataques da direita configura uma fase inédita para a vida política do Bloco de Esquerda e do PCP. Perante este novo quadro, a esquerda não pode cair na armadilha das provocações da direita, nem dar crédito ao questionamento de posições políticas por parte dos partidos da troika. PSD e CDS são responsáveis diretos de todo o processo de empobrecimento, da perda de direitos, e pela submissão do país às posições de Angela Merkel e do seu sinistro ministro Schäuble. A esquerda deve confrontar PSD e CDS não apenas com a sua prática governativa 2011-2015, como também com o chumbado programa do  segundo Governo Passos/Portas e as suas promessas de mais cortes feitas a Bruxelas. O confronto com o revanchismo da direita e com a deriva liberal do Governo PS necessita de uma mobilização popular alargada.

8. A duração do mandato do governo minoritário do PS é incerta. As posições conjuntas entre o PS e os partidos à sua esquerda apontam o horizonte de uma legislatura, no entanto não o asseguram antecipadamente. É do lado do PS que se afirmam os maiores riscos quanto à durabilidade do governo. Se o PS continuar a insistir em programas que conservam a austeridade, abre objetivamente um debate sobre a consequência e a natureza das “posições conjuntas”.

9. As eleições autárquicas não condicionam a situação política geral, nem têm leitura nacional. De facto, existe a perceção de que as eleições autárquicas não têm outro âmbito que não seja local. O eleitorado hoje vota mais livre, dependendo da natureza das eleições. Ainda assim, é expectável que os resultados das eleições autárquicas, descontadas especificidades locais, venham refletir uma direita fortemente em minoria. É igualmente expectável que seja possível dar continuidade ao crescimento das forças políticas à esquerda do PS. Esse foi o principal fator para a travagem da austeridade em Portugal. Particularmente, a conquista da terceira posição eleitoral pelo Bloco de Esquerda em 2015, bem como os resultados de Marisa Matias nas presidenciais, apontam para um potencial de fortalecimento da esquerda em Portugal. As eleições regionais da Madeira e dos Açores também deram sinais positivos para um reforço das posições do Bloco de Esquerda. Nas eleições autárquicas, este caminho pode ser continuado e reforçar a sua representação e o seu enraizamento social. Esse reforço é essencial para o combate por uma alternativa de esquerda para Portugal.


*Fotografia de Paulete Matos.