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tese proposta à VII Assembleia da Esquerda Alternativa - 17 de março de 2018

 

Uma pluralidade de sexos e géneros

  1. As formas de viver a sexualidade são principalmente sociais. O desenvolvimento humano afastou progressivamente a sexualidade da sua função meramente reprodutora para reinventar o sexo de diversas maneiras. Esse desenvolvimento humano conduziu ao sexo sem reprodução (graças aos contracetivos e a práticas sexuais não reprodutoras), e à reprodução sem sexo (como a fertilização in vitro ou outras técnicas de procriação medicamente assistida).
  2. Existem diversas orientações sexuais e relacionais. Há pessoas que se relacionam com outras de sexo diferente (heterossexuais), do mesmo sexo (homossexuais), pessoas que não limitam as suas experiências sexuais e românticas a membros de um único sexo ou género (bissexuais), pessoas para quem o género e o sexo são indiferentes para o estabelecimento de relações afetivas e/ou sexuais (pansexuais), pessoas sem atração sexual (assexuais) ou romântica (arromânticas), pessoas que só sentem atração sexual quando estabelecem uma relação de grande proximidade afetiva (demissexuais). Ao nível do estabelecimento de relações também há diversidade. Pegando apenas em exemplos de formas de relação onde há consentimento de todas as partes envolvidas: há, para além da relação monogâmica fechada (na qual duas pessoas estabelecem uma relação exclusiva entre si), a relação aberta (na qual é aceite que os parceiros se envolvam sexualmente ou afetivamente com pessoas externas à relação) e uma pluralidade de relações poliamorosas (onde as pessoas envolvidas estabelecem dois ou mais relacionamentos afetivos/sexuais de forma paralela e consensual).

  3. Este elenco de orientações sexuais e relacionais não é exaustivo, devendo respeitar-se a existência de uma pluralidade de outras orientações sexuais e relacionais cujas designações e referentes não se limitam a uma categorização sociológica orientada pelas práticas mas que são também expressões quer da liberdade de autodesignação, quer da diversidade cultural humana.

  4. As identidades de género, à semelhança das práticas sexuais, não se justapõem nem a funções biológicas nem aos critérios biologizantes de classificação dos seres humanos entre fêmeas e machos. Efetivamente, na generalidade das culturas, as identidades de género masculino e feminino, variando no tempo e no espaço, desenvolveram-se de forma alinhada com os sexos. Mas isso não criou qualquer binarismo universal. Existindo em diferentes culturas outros géneros que frequentemente derivam, com critérios muito variados, daquela estrutura binária (admitindo a existência de homens femininos, mulheres masculinas, pessoas de dupla identidade ou de género fluído).

  5. A necessidade de rejeição do binarismo começa no próprio (suposto) critério biológico, dado que tendencialmente um em cada cem indivíduos humanos tem uma configuração de cromossomas, gónadas e/ou órgãos genitais que difere do padrão esperado pela cultura dominante (que espera “machos” e “fêmeas”). Efetivamente, algumas destas pessoas intersexo, quando a diferença não é aparente, acabam por ser reconhecidas e reconhecer-se no critério binário sem que exista conhecimento das próprias ou de outrem dessa diferença. Muito frequentemente os indivíduos intersexo são sujeitos, maioritariamente logo após o nascimento, a mutilações genitais que pretendem forçar a escolha do sexo e da identidade que se encaixe no binarismo dominante de homem e mulher. Esta escolha forçada e feita por terceiros, normalmente médicos e pais, configura-se uma violação do direito à autodeterminação de género de cada pessoa. Se nuns casos o sexo eleito como dominante e a escolha feita poderá ajustar-se à identidade de género autopercecionada, noutros casos a escolha por um dos sexos não corresponde à identidade de género com que a criança intersexo se vem a identificar no futuro.

  6. Diferente da questão intersexo, existem ainda outras pessoas que são designadas à nascença por um género diferente daquele com que vêm a identificar-se: as mulheres trans, os homens trans e outras pessoas trans. A sua transição pode ser apenas social ou envolver também cirurgias e intervenções hormonais. Sob a mesma ótica, aquelas pessoas que se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença são apelidadas de cisgénero (homens cis, mulheres cis). O direito à autodeterminação de género é reconhecido, sem questionamentos, a todas as pessoas cisgénero, ou seja, àquelas cuja autodeterminação de género corresponde ao género que lhes foi atribuído à nascença. Contudo, esse mesmo direito não é, em geral, reconhecido às pessoas trans.

O reconhecimento pleno da realidade plural dos sexos, dos géneros e das formas de relação, por conflituar com o sistema de poder patriarcal, implica uma luta política.

 

LGBTI+ como identidades de luta

  1. A opressão sobre as sexualidades e identidades de género que se desviam da norma dominante foi diversa nas diferentes sociedades ao longo da história e dos diferentes espaços culturais do mundo. De um modo geral podemos falar do poder patriarcal como estruturante dessa opressão. Acresce, por exemplo, que o domínio colonial exercido pela Europa ocidental também foi responsável por estender preconceitos e leis homofóbicas a espaços do globo onde, anteriormente, a homossexualidade masculina era aceite ou tolerada. Do mesmo modo que também introduziu novas opressões em culturas onde, até ao domínio europeu, se reconhecia a existência de outros géneros (por exemplo, em várias tribos ameríndias era reconhecida a existência de cinco géneros). No entanto, a tendência para o domínio patriarcal e de hierarquia de classes já generalizava, mesmo nessas sociedades e antes do domínio colonial, a opressão sexual das mulheres, dos géneros não masculinos, e das classes subalternizadas. Em vários pontos do globo existiam servos sexuais e pessoas a quem a castidade era imposta.

  2. No mundo euro-asiático houve um primeiro sinal de viragem com a Revolução de Outubro de 1917. A República Socialista Federativa Soviética da Rússia foi o primeiro Estado do mundo a descriminalizar a homossexualidade. Porém, algumas repúblicas soviéticas não fizeram essa alteração nos seus respetivos códigos penais. E, em 1933, com Estaline, assistiu-se a um enorme retrocesso. Nesse ano foi introduzido o crime de práticas homossexuais masculinas no Código Penal da URSS. Este “crime” foi, então, usado como arma para perseguições políticas. Essa perseguição atenuou nas últimas décadas da URSS, até com alguma abertura social. No entanto, já em regime capitalista, atualmente o problema reemerge com grande violência. Na atual Federação Russa, sob Putin, o Estado proíbe violentamente qualquer manifestação de homossexualidade, persegue e prende ativistas e, mais grave ainda, na Tchechenia há campos de concentração para homossexuais.

  3. O direito à diversidade sexual, efetivamente, já estava presente nos debates de alguns pensadores socialistas pré-marxistas. Contudo, no princípio dos movimentos socialistas modernos, a libertação sexual não era uma das suas principais bandeiras. E a história do movimento socialista também não está isenta de homofobia e transfobia. Ainda assim, no início do século XX, por exemplo, o Partido Comunista Alemão e o Partido Social-democrata Alemão eram defensores da despenalização de práticas homossexuais consentidas entre adultos. Pode dizer-se que, apesar de toda uma história de socialistas publicamente homossexuais e bissexuais, a luta pelos seus direitos só vai ganhar força como desenvolvimento dos movimentos sociais autónomos contra a homofobia.

  4. A história das lutas pelos direitos das sexualidades e identidades de género oprimidas ganha um forte impulso em final dos anos 1960, tendo-se tornado emblemático, para a memória dos movimentos, a resistência um grupo de pessoas homossexuais, bissexuais e transgénero a uma rusga policial, a 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. Esse ato de resistência não foi o único, mas teve muito impacto, e deu origem à Marcha do Orgulho que se realizou no ano seguinte. Apesar da presença de pessoas Trans desde o início dessas ações de luta, o movimento continuou a ser hegemonizado pela causa dos direitos de Gays e Lésbicas. A luta pela imagem de uma “normalidade” gay (branca, cisgénero e masculina) escondia outras expressões de género mais nocivas para o padrão heteronormativo (isto é, da heterossexualidade cultural e legalmente obrigatória). Marcado por essa hegemonia da “normalidade gay”, mas tentando desviar-se dela, o termo comunidade Gay, usado nos EUA, vai passar a ser substituído nos finais da década de 1980 pelo termo comunidade LGB (incluído Gays, Lésbicas e Bissexuais). Nos anos 1990, a sigla do movimento vai finalmente reconhecer as pessoas Trans, passando a LGBT. A inclusão do I de Intersexo e múltiplas outras variantes são debates mais marcantes a partir dos anos 2010. Na designação LGBTI+, o símbolo + abre a sigla a outras causas e identidades relacionadas com o movimento.

  5. Entre as polémicas dentro do movimento LGBTI+ tem-se destacado a mercantilização das marchas e festas, cada vez mais comerciais e menos políticas. As e os ativistas críticos dessa tendência denunciam o pinkwashing (lavagem de imagem rosa)de empresas que exploram trabalhadoras e trabalhadores, incluindo LGBTI+, e que se servem da sua causa para passar uma boa imagem. A expressão lavagem de imagem rosa tem sido aplicada também à política do Estado de Israel que pretende esconder uma política de agressão ao povo palestiniano através da apropriação da causa LGBTI+. E o mesmo se aplica à mobilização das causas LGBTI+ e feminista por setores reacionários e neofascistas na Europa como arma para a sua política xenófoba anti-islâmica.

 

LGBTI+ em Portugal: uma libertação em marcha

  1. A 1 de julho de 2000, realizou-se em Lisboa a primeira Marcha do Orgulho. O manifesto da Primeira Semana do Orgulho, onde se enquadrava a Marcha de Lisboa, começa sob o mote da visibilidade: “A vizinha, o político, o carteiro, o taxista, a colega de trabalho, o imigrante, o motorista do autocarro, o professor, a médica, a pessoa desconhecida que passa por nós... qualquer um/a pode ser lésbica, gay, bissexual ou transgénero (LGBT)”. Esse primeiro grande evento público de visibilidade e reivindicações afirma que a “comunidade LGBT portuguesa tem vindo a construir respeito próprio, redes de apoio mútuo e informação, eventos culturais de referência, associações e uma aprendizagem partilhada da necessidade de erguer a cabeça e dizer ‘basta, queremos respeito’”.

  2. O movimento LGBT apresentou-se na primeira Marcha com uma agenda ampla num país que, 26 anos após o 25 de Abril de 1974, ainda estava muito preso a conceções conservadoras. A punição da homosexualidade só foi retirada do código penal em 1982 e só em 1999 passou a ser permitido a homossexuais e bissexuais ingressar nas Forças Armadas. Nos anos 1990, a criação de revistas, associações, linhas e grupos de apoio, acontecimentos públicos, arraiais e manifestos foram estruturando redes de combate pela causa LGBT. Foi um processo de autonomização de lutas a partir da causa do apoio às vítimas do VIH/SIDA, das lutas políticas e da mobilização de novas e novos ativistas.

  3. Politicamente, mesmo à esquerda, nas primeiras décadas da democracia, nem sempre foi fácil aceitar a visibilidade de gays e lésbicas. Mas houve exceções, mesmo durante a ditadura colonial-fascista, que perseguia a homossexualidade e a transexualidade. Destaca-se, por exemplo, o poeta José Carlos Ary dos Santos, militante do PCP, cuja homossexualidade era assumida desde os tempos da ditadura. Facto é que, nos anos 1990, as causas LGBT não tinham ainda força entre os partidos parlamentares quando, finalmente, foram dados passos importantes: com a criação do Grupo de Trabalho Homossexual do PSR (1991), ativo na organização do movimento LGBT, e com a campanha do ator Mário Viegas como candidato independente nas listas da UDP (1995), que afirmou o manifesto “Sou homosexual e estou na política”. Em 1999, a criação do Bloco de Esquerda vai levar ao parlamento uma força política cuja agenda política LGBT é publicamente reconhecida, e cujas posições e propostas vão também contribuir para combater o conservadorismo que ainda era maioritário nas outras forças políticas.

  4. O referido manifesto da primeira semana do Orgulho e da Marcha reivindicava muitos objetivos que em boa parte viriam a ser conseguidos pela luta social e mudança política: "uma Constituição da República que proíba a discriminação pela orientação sexual ou identidade de género e previna as agressões", “Educação Sexual, sem omissão da diversidade de orientações sexuais e identidades de género, e empenhadas na Educação contra a discriminação racial, das mulheres e d@s LGBT”, “queremos que @s transexuais possam acompanhar a sua mudança de sexo com a alteração de todos os seus documentos de identificação”, “alargue-se às famílias homossexuais o reconhecimento das Uniões de Facto”, “altere-se o artigo do Código Civil que define a família como ‘relação entre pessoas de sexo diferente’”, “elimine-se, no código penal, a diferença entre a idade de consentimento para atos heterossexuais (14 anos) e atos homossexuais (16)”, por "direitos sociais, no trabalho e na saúde” (“queremos o fim da precariedade laboral, que facilita situações de discriminação"), contra a violência sobre as mulheres, pelo direito das mulheres ao aborto, à contracepção e à procriação medicamente assistida independentemente do estado civil ou orientação sexual, fim da discriminação das pessoas LGBT na atribuição do poder parental, pelo direito à adoção por casais do mesmo sexo.

  5. A mudança legislativa foi lenta mas progressiva. Em 2001, a união de facto é alargada a casais homossexuais. Em 2003, a proteção contra a discriminação chega ao Código do Trabalho. Porém, também no ano 2003, o Parlamento rejeitou a proposta do Bloco de Esquerda para a inclusão do acesso à adoção por casais do mesmo sexo na nova lei da adoção (Lei 31/2003). Finalmente, em 2004, a não discriminação por orientação sexual é acrescentada ao artigo 13º (princípio da igualdade) da Constituição da República.

  6. Em 2006, abriu-se um debate importante no país na sequência do assassinato de Gisberta Salce Júnior, no Porto. Mulher trans, imigrante brasileira, trabalhadora do sexo, seropositiva, sem-abrigo, Gisberta estava numa situação social altamente desfavorecida. Em profundo sofrimento no final da sua vida, violada e assassinada, nem sequer depois da morte obteve justiça da parte do Estado português. Tratada no masculino na imprensa e no tribunal, a memória de Gisberta foi ofendida ao ponto de o juiz ter considerado que o crime afinal tinha sido “uma brincadeira de crianças que foi longe demais”. O caso Gisberta mobilizou ativistas LGBT para o combate pela devolução da humanidade negada à vítima e contra a transfobia. Foi também nesse ano que se realizou a primeira Marcha do Orgulho do Porto.

  7. Em 2007 é alterado o Código Penal para punir a promoção de ódio e agravar a agressão física e o homicídio motivados por homofobia. A mesma revisão também retirou a discriminação na idade do consentimento entre heterossexuais e homosexuais.

  8. Em outubro de 2008, os projetos de lei do Bloco de Esquerda (p.l. 206/X de 1 de fevereiro de 2006) e dos Verdes (p.l 218/X de 2 de março de 2006) para a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo foram chumbados pelos votos contra do PS, PSD, CDS-PP. O projeto dos Verdes impedia os casais homossexuais de adotar. Foi só em 2010 que Portugal se tornou o sexto país do mundo a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa lei, que foi um progresso para o reconhecimento dos direitos dos casais homossexuais, ao mesmo tempo introduziu, por decisão do PS, uma discriminação no acesso à parentalidade, impedindo que os casais homosexuais casados pudessem adotar.

  9. Em 2009, a nova lei da Educação sexual, proposta pelo PS, inclui nos seus objetivos o “respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais” e a “eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual”. A proposta do Bloco, chumbada pela direita e com a abstenção do PS, era mais avançada nas questões LGBT e implicava uma área curricular não disciplinar com horário próprio, no 4º, 6º e 12º ano.

  10. Em 2010, foi levantada a restrição à doação de sangue por parte de homens que têm sexo com homens. Essa restrição já tinha estado levantada entre 2005 e 2009. E, do ponto de vista prático, apesar da mudança legislativa não está ainda garantida a não discriminação.

  11. O Bloco de Esquerda (Projeto de Lei 319/XI de 17 de junho de 2010) e o Governo PS (Proposta de Lei 37/XI de 7 de setembro de 2010) propõe uma lei da identidade de género, aprovada em 2011 com os votos contra do PSD e CDS, que permite, em termos de mudança no registo civil e no acesso a procedimentos cirúrgicos, a transição das pessoas trans e marca o reconhecimento devido à sua identidade de género.

  12. Entretanto, o calendário de visibilidade de rua do movimento LGBTI+ passou a estar preenchido, progressivamente, com a chegada da Marcha contra a Homofobia e a Transfobia de Coimbra (2010), da Marcha do Orgulho LGBT dos Açores (2012), da Marcha pelos Direitos LGBT de Braga (2013), Marcha da Felicidade de Setúbal (2017),  Marcha do Orgulho LGBT de Vila Real (2017), Marcha do Orgulho LGBTI do Funchal (2017). Estas marchas, de dimensão variável, têm preenchido anualmente as ruas do país e estão já a ser organizadas marchas também para Viseu, Braga e outras cidades.

  13. O direito de adoção plena a casais do mesmo sexo só foi conquistado em 2016, por via do projeto de lei do Bloco de Esquerda que se constituiu na Lei 2/2016 de 29 de fevereiro, com os votos do Bloco, PS, PCP, PEV, PAN e algumas deputadas e deputados do PSD, fazendo de Portugal o 24.º país do mundo a atingir essa conquista. E em 2016, os casais de mulheres e as mulheres solteiras puderam finalmente aceder à procriação medicamente assistida. A gestação de substituição foi também aprovada em 2016 e a ela podem recorrer, em determinadas circunstâncias, casais constituídos por um homem e uma mulher ou por duas mulheres. Está em marcha a remoção da discriminação legal das pessoas LGBTI+.

  14. Também em 2016, o Bloco de Esquerda apresentou o projeto de lei (242/XIII, 24 de maio de 2016) que "reconhece o direito à autodeterminação de género". O objetivo passa por despatologizar a lei da identidade de género das pessoas trans e permitir a alteração do registo civil sem a tutela de médicos e psicólogos e sem a necessidade de um relatório médico que ateste uma perturbação da identidade de género. No projeto do Bloco, além de se prever a alteração do registo civil a partir dos 16 anos, é aberta a possibilidade dos representantes legais, ou tribunal mediante ação judicial, realizarem a mudança de registo civil a menores de 16 anos. O processo legislativo desse projeto, em conjunto com o projeto de lei do PAN (317/XIII, 11 de outubro de 2016) e a proposta de lei do Governo PS (75/XIII 2017-05-03), está ainda a correr.

  15. A mudança legislativa é uma das armas para a transformação social, mas a homofobia, a bifobia e a transfobia não se apagam por atos legislativos. A violência continua: em 2016 o Observatório da Discriminação da ILGA Portugal recebeu 179 denúncias, entre as quais dois casos de violência física extrema e onze relatos de agressões. Os serviços públicos continuam com limitações. Ao nível da prestação de serviços e cuidados médicos a pessoas trans nos seus processos de transição, por exemplo, tem havido dificuldades de resposta do Serviço Nacional de Saúde. Os serviços sociais de apoio às pessoas idosas raramente têm em conta a vida dos seus utentes como pessoas sexuais, situação que se agrava para as pessoas idosas LGBTI+. E, ao nível da homofobia nas escolas, há até, entre tantos outros exemplos possíveis, lutas que se repetem. Em 2005 a direção da Escola Secundária António Sérgio de Gaia censurou e reprimiu um beijo de duas raparigas, o que originou a  solidariedade da Associação de Estudantes. Entretanto, 12 anos depois, em 2017, a direção da Escola Secundária de Vagos também reprimiu a um beijo entre duas raparigas. Desta vez, além da mobilização das e dos estudantes da escola, as jovens de Vagos e a luta pelo direito à igualdade de tratamento e pelo fim da discriminação originou uma onda de solidariedade de diversas outras associações e coletivos de estudantes de todo o país, com o apoio de grupos LGBTI+ e feministas, sob o slogan e a hashtag  #EscolaSemHomofobia. A resposta foi mais forte, mas a homofobia, a bifobia e a transfobia na sociedade e nas estruturas de poder, nas escolas, nos tribunais, nos hospitais, no trabalho, …, continuam.

 

Está lançado um desafio mais profundo na causa LGBTI+. A transformação social depende, certamente, também de algum aprimoramento da legislação e dos serviços públicos. No entanto, é um objetivo muito mais exigente do que isso. É fundamental a ação dos coletivos e associações do movimento LGBTI+ nas suas várias vertentes. E, no que toca à ação do Bloco de Esquerda, é de novo tempo de realizar um fórum de debate LGBTI+, para renovar a agenda transformadora, e é uma vez mais necessário levantar a bandeira da Educação Sexual/Educação para a Cidadania/Educação para a Igualdade. Para esse efeito, é necessário haver profissionais especializados, tempos próprios no horário escolar e equipamentos auxiliares. A Escola Pública tem um papel no apoio à libertação das jovens e dos jovens da opressão patriarcal, da homofobia, bifobia, transfobia e de todas as agressões à livre expressão, identidade e vivência dos sexos, géneros e formas de relacionamento.

 

Comissão de Teses: Pedro Filipe Soares, Bruno Góis, Fabian Figueiredo, Humberto Silveira, Isabel Pires, Joana Mortágua, Luís Fazenda, e Sandra Cunha


imagem: foto de Paulete Matos, Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa.