balao blocoPropostas de teses à VIII Assembleia da Esquerda Alternativa
Socialismo, Feminismo e Ecologismo, três em um
Desafios do Momento

Socialismo, Feminismo e Ecologismo, três em um

1 - A Esquerda Alternativa promove com regularidade a leitura crítica de processos de ideias sobre a sociedade e a natureza, quer nas controvérsias clássicas, quer em polémicas de atualidade. A Esquerda Alternativa discute também a política que possa fazer caminho a essas ideias de progresso. Só nessa perspetiva se identifica e legitima uma corrente que se aproxima por afinidade ideológica.

A produção ideológica é incessante pois representa continuamente as novas faces das relações de produção, das máquinas dos estados, das classes, da propriedade, do domínio e uso das armas, do comércio global, da tecnologia e dos limites dos recursos, das experiências de luta social ou de lutas antiimperialistas. Se a burguesia produz constantemente novos conteúdos, cabe às organizações de trabalhadores trazer o contraponto e alternativa nos seus próprios conteúdos.

2 - Naturalmente, o Bloco de Esquerda acolhe uma pluralidade ideológica no campo do socialismo. Não lhe cabe definir argumentários que seriam sempre excludentes na sua área, rejeitando a prática de partidos de ideologia única, hostis à democracia interna e externa e à diferença. Esse papel de produtores de horizonte é livre e tem sido feito através de contribuições individuais e coletivas no âmbito do Bloco. O contributo da Esquerda Alternativa é parte desse esforço essencial.

3 - O Bloco de Esquerda assumiu desde início a adesão ao socialismo, feminismo e ecologismo. Insiste-se na síntese desses pensamentos, inteiramente válidos, que oferecem vias diferentes para desatar o nó da estagnação do país. Convém, no entanto, passar a lente forte cada um desses conceitos, saber como resistem aos tempos e se são férteis na disputa da consciência social. Essa é, sumariamente, a tarefa destes debates e destas teses.

4 - O socialismo é simultâneamente entendido como objetivo e movimento. Para os revolucionários estes são indissociáveis. A luta de classes deve conduzir à sociedade sem classes. A urgência climática tem tornado popular a expressão ecossocialismo. Entendemos o conceito a partir do primado da luta de classes e da divisa de que a emancipação dos trabalhadores é a emancipação da humanidade e, portanto, também o caminho para a justiça climática. O socialismo continua a ser a única alternativa clara ao capitalismo dominante. O social em vez do capital. O preâmbulo da Constituição da República Portuguesa exprime esse desejo de "abrir caminho a uma sociedade socialista", como resultado da Revolução de Abril e das lutas populares. O ponto mais alto do conflito social levou a uma aproximação da finalidade socialista. Isto vem da própria luta social e não apenas de uma teoria mais abstrata e universal.

5 - A forma como se estabelece e desenvolve o socialismo tem sido objeto de muitas interpretações e de uma acesa luta de ideias. Sabe-se que a formação de uma sociedade socialista está rodeada de obstáculos: antagonismos internos e externos, embargos comerciais ou ingerências armadas e dificuldades inerentes à reorganização do Estado em novos moldes. Contudo, nada disso é justificação para a inexistência de um regime constitucional democrático que responda às exigências de sustentabilidade ambiental. O socialismo ou é democrático e ecologista ou não o é. O poder popular está subordinado ao sufrágio universal e às suas escolhas, mesmo quando é produto de uma transição revolucionária. Já  sabemos o suficiente para perceber que se o socialismo se afasta do caminho democrático e segue por atalhos acaba por se autodestruir. É importante recordá-lo quando alguma força disser que a democracia é secundária. São esses que não conseguem sair do quadro mental do partido único no poder. Foi deste que surgiram as novas burguesias em países que se tinham lançado no desafio da construção de sociedades pós-capitalistas.

6- Na URSS, apesar do impulso socialista inicial e de grande parte da propriedade ser estatal, assistimos à estagnação, à guerra de anexação, ao imperialismo sobre outros estados, à falta de democracia e à repressão em massa de trabalhadores. Tudo para manter uma nomenclatura privilegiada, que se lançou às privatizações e à acumulação desenfreada de capital quando caiu o regime. É preciso insistir neste ponto, não só porque estes desvios não são aceitáveis em experiências futuras, como ainda hoje há forças políticas que mitificam o passado soviético. Se olharmos para a China, vamos encontrar um modelo mais sofisticado de capitalismo, onde se cruza o grande capital chinês e estrangeiro com o capitalismo aberto e privado da nomenclatura do partido e do Estado. Há, infelizmente, quem entenda que a República Popular da China pode desempenhar um papel no campo progressista mundial quando, na verdade, esta só quer ratear o seu share do mercado global com os EUA. A escalada armamentista de Beijing só ombreia com a falta de democracia, onde nem o direito à greve é reconhecido.

7 - Temos de ser claros: pretendemos a socialização dos meios de produção e troca fundamentais. Isso significa a energia, telecomunicações, a banca, transportes, indústria pesada, latifúndios. Ou seja, com a devida adaptação no formato, tudo aquilo que foram as nacionalizações de 1975. Não pretendemos estatizar a economia, até porque largos setores dos trabalhadores detêm pequena propriedade sobre casas, solos, máquinas, firmas independentes, negócios vários, viaturas, entre outros. Os setores de pequena e média empresa ajudam a dinamizar o mercado interno e têm capacidade inovatória para a diversificação ambiental. A redistribuição dos rendimentos é, assim, simultaneamente, proprietária e fiscal.

8 - O socialismo como movimento configura-se como o conjunto das propostas que se propõem a orientar a luta de classes na direção da aproximação à meta. Passa por evidenciar bandeiras claras sobre os direitos económicos, sociais, culturais, ambientais e políticos dos trabalhadores e do povo. Estes têm a oposição do regime e dos patrões. A luta por esses direitos assenta na movimentação e organização popular, sem prejuízo de alcançar decisões institucionais em países democráticos que nos sejam favoráveis, estando na oposição, numa maioria parlamentar ou até temporariamente participando num governo. Nenhuma destas situações tem diretamente a ver com uma transição constitucional para a propriedade pública dos bens comuns. Essa transição revolucionária só ocorre quando o povo não aceita o poder vigente, ditatorial ou democrático burguês. Podemos aspirar a que o movimento socialista, em todas as suas faces, ajude a essa insurgência. No entanto, fazer equivaler partidos revolucionários a partidos de conspiração golpista ou achar que responsabilidades governativas são oportunistas por definição, são caricaturas anarquistas que já causaram suficiente dano ao campo socialista. O "critério das bandeiras" é o que permite ou impede a conclusão de acordos políticos, ou mesmo entendimentos excecionais por razões de emergência política e social, como foi o caso da "geringonça" em 2015.

9 - O movimento reconhece várias contradições objetivas existentes no capitalismo como fatores de luta e alternativa à classe dominante. A primeira, e mais importante, é a contradição entre o capital e o trabalho. A mais valia extraída à força de trabalho é a essência do regime e a via para a concentração de riqueza na minoria burguesa. Designa-nos à partida quem é o sujeito político de transformações sociais: os assalariados.

10- Os ideólogos do denominado "socialismo crítico" têm tentado ao longo das últimas décadas substituir o papel dos trabalhadores por outros grupos sociais: camponeses, intelectuais ou imigrantes (a quem chamaram o proletariado nómada). A todo o tempo, considere-se o que se censure aos trabalhadores, mas eles são o fator permanente para a luta contra o capitalismo. No caso de quem entende que a contradição capital/trabalho perdeu centralidade, apesar de ser o motor do capitalismo predatório, e destaca  agora como principal a existência da contradição capital/ambiente, cabe perguntar que classe tomará o poder nesse conflito?

A contradição de género, que o capitalismo herda e retoma do patriarcado, é objetivamente uma das subalternidades a ultrapassar e claramente aliada da restante luta social. A igualdade de género é uma reivindicação fulcral no mundo. Apesar da violência das discriminações na Europa ocidental, elas são ainda mais brutais na América, África e Ásia, onde as lutas das mulheres põem em causa poderes reacionários e religiões fundamentalistas. Em muitos destes países, as mulheres estão ainda totalmente subordinadas aos pais ou maridos, impedidas de ser autónomas, de trabalhar e estudar, forçadas ao casamento precoce e à maternidade imposta. No entanto, também na Europa existem grandes desigualdades de género que urgem ser resolvidas, desde a desigualdade salarial ou a desigual representação política ao assédio e violência machista, há muito caminho a percorrer. Há também que ter em conta que o avanço da extrema-direita ameaça os direitos já conquistados pelas lutas feministas: estes partidos trazem de volta um discurso ultraconservador, tradicionalista e nacionalista que pretende devolver as mulheres a uma posição subalterna de mãe e doméstica. A emancipação das mulheres é essencial para ajudar a resolver problemas mundiais demográficos, alimentares, educativos e ambientais que o socialismo por si só não representa a solução completa.

A contradição capital/ambiente mobiliza as nossas atenções e tem hoje a perceção da urgência e uma imensa simpatia de jovens nas zonas capitalistas do globo. É uma luta claramente anticapitalista, mesmo que o oportunismo acene com o "capitalismo verde" ou considerando suficientes as transformações do estilo de vida individual, com algum êxito na Europa ocidental, sobretudo. A luta ecologista tem um potencial enorme para desmascarar a dita ética do capitalismo, tal como o efeito que tiveram as condições de trabalho do século XIX. A aliança fundamental entre o trabalho e o ambiente traduz-se na ideia socialista de que quando se mudam as relações de produção tem também de mudar o modo de produção. Do privado e intensivo para o público e sustentável. A existência de  vários movimentos sociais protagonizando várias dessas contradições não é motivo para hierarquizar as suas agendas ou colocá-las sob a tutela de partidos políticos, nem razão para criar organizações "chapéus de chuva" que, de forma artificial, sejam simultaneamente tudo num sectarismo difuso que afasta pessoas dos sindicatos e das associações abrangentes.

11 - O feminismo, tal como o socialismo, tem várias acepções e até expressões sociais diferentes. Tal como não há um socialismo também não há um único feminismo. O feminismo liberal contenta-se com a representação das mulheres. O feminismo social-democrata contenta-se com a expansão do Estado Social, em especial a mulheres vulneráveis e domésticas. O feminismo socialista, que perfilhamos, emerge contra a violência patriarcal e procura a igualdade no trabalho, nos serviços públicos e alarga essa luta a todos os aspetos da vida social e a todas as mulheres. Temos criticado aqueles que, a coberto de etiquetas de esquerda e de sindicatos, têm um mero discurso sindical sobre as reivindicações das mulheres. Aparentemente sem querer perceber que o sujeito político feminista alia o reconhecimento do papel das mulheres à redistribuição económica do salário. O sindicalismo vulgar só por si não é nem anticapitalista nem feminista.

12 - O ecologismo também tem diferentes matizes e é até uma área de conhecimento e ação onde, com facilidade, se opta por apagar a política e os interesses e se recorre a discursos técnicos, como se a técnica sem comando resolvesse problemas ambientais. Em Portugal temos um partido que se reivindica do ecologismo e que não é anticapitalista, diz-se antiprodutivista mesmo que os capitalistas queiram desenvolver o produtivismo.Também não é de esquerda nem de direita de modo a estar à vontade para participar com os liberais em soluções governativas. Pelo contrário, o movimento socialista entende que o ataque à fonte das alterações climáticas, à poluição associada, à redução da biodiversidade, à sobreexploração de recursos, e desde logo da água, é o ataque ao lucro. O lucro capitalista maximiza-se com a concorrência do vale tudo ambiental. Em particular, não são as indústrias do carbono com um poder geopolítico mundial, garantido pelo imperialismo, que vão ser amigas da transição energética. O ecologismo é sem dúvida uma manifestação ideológica, há não muitos anos não era reconhecido como tal. Contudo, não se trata de uma ideologia por si própria, não tem um projeto social classista. Daí muitos partidos verdes terem vindo a descambar para governos de direita com vagas promessas de fim da energia nuclear. Não é essa a perspetiva do ecologismo socialista.

13 - Quer no socialismo, feminismo, ecologismo e no cruzamento de todos temos a compreensão que a luta de classes é internacional. Se as mercadorias e a informação se movem com rapidez também as ideias, a história comum, os referentes políticos circulam, condicionando necessariamente os mosaicos nacionais. Sobretudo, quando muitos desses territórios pertencem à mesma superestrutura político-económica e militar, caso da União Europeia e da NATO. Se isso é real e corresponde a uma luta de classes internacional, também não podemos advogar um modelo de partido que possamos "exportar". Importa mais a circulação dos conteúdos do que qualquer clonagem de formas.

Em todo o caso, na situação portuguesa e europeia atual, o Bloco de Esquerda está na linha avançada de partidos plurais, não dogmáticos, populares e com a marca ideológica geral do socialismo, feminismo e ecologismo. Portanto, três em um no Bloco.

DESAFIOS DO MOMENTO

1 - Os avanços em todo o mundo da ultradireita, conquistando as massas empobrecidas com a crise capitalista de 2008 e descontentes com social-democratas e liberais que cortaram no Estado Social, têm vindo a reforçar ditaduras e a enfraquecer por dentro as democracias trumpizadas. O nacionalismo reacionário que transportam é belicista e as suas ideologias são excludentes face a pobres, minorias étnicas, LGBTI’s. Logo de seguida, reduzem os direitos do trabalho. O capitalismo quer reganhar o cariz autoritário e abandonar o verniz liberal. A Esquerda Alternativa tem uma análise larga sobre este processo, nomeadamente na tese “O ataque dos ultras incita à resistência dos povos”. Ao contrário das prédicas de Varoufakis, Paul Mason e outros, demarcamo-nos da ideia de nos aliarmos estrategicamente aos liberais para conter a ultradireita. Apoiar, por hipótese, o duo Merkel  e Macron só levaria a um crescimento ainda maior de Le Pen, Salvini e companhia. Largas massas identificam social-democratas e liberais como os políticos corruptos que os condenaram ao desemprego, a perda de rendimentos e poupanças, de futuro para os filhos. Só uma esquerda com projeto, ampla e aberta, socialista, feminista e ecologista estará em condições de polarizar com a ultradireita. O Bloco  defende essa posição na esquerda europeia, o que custou a incompreensão daqueles que provavelmente pensam que se tornam governo por assumir a política dos social-democratas derrotados, numa espécie de syrização dos partidos da esquerda radical.

2 -  Vários articulistas deram em teorizar, na sequência de Paulo Portas, que o voto útil em Portugal acabou, no pressuposto de que direita e esquerda acabam por convergir governativamente. Essa tese traz outra atrelada e mais conhecida, a de que a política de hoje é a política de alianças. É preciso rejeitar categoricamente estas teses, nem uma nem outra são verdadeiras. Basta ver como o PS quer alargar a votação reclamando que é o governo que Bruxelas aceita e que os partidos à esquerda “provocam instabilidade”. Um partido de esquerda não pode resumir a sua política à política de alianças, tem de ser autónomo e não um satélite ou um mero complemento de projetos alheios. Política é projeto, programa, independência, ação e afirmação popular. Só secundariamente ou instrumentalmente tem a ver com alianças "de incidência governativa". As pessoas não respeitam quem lhes vem pedir apoio para se juntarem com um partido terceiro. Concluem duas coisas: não têm projeto e mais vale considerar o original do que o aditamento. Essa lição teve bitola de exemplar com a lista do Livre/Tempo de Avançar. O Bloco de Esquerda mobiliza fazendo campanha pelo seu projeto próprio.

3 - Na Convenção recente, o Bloco de Esquerda já marcou a sua posição pós-eleitoral. Pretendemos um governo de esquerda que nacionalize vários dos bens comuns, abra a revisão dos tratados europeus, avance nas leis de trabalho, serviços públicos, salários e pensões. Se isso não for possível o Bloco de Esquerda lutará por cada uma das bandeiras do nosso movimento, lei a lei, combate social e cívico em cada caso. Sobre acordos parlamentares que eventualmente possam ocorrer eles só podem ser programáticos e limitados a esses objetivos.

4 - O desafio dos nossos tempos é o da organização. Sindicalização, ativismos, militância, adesão, não são substituíveis pela internet. Queremos coletivos pessoais ou impessoais? Todas as ferramentas têm de servir para movimentos organizados que possam reproduzir-se geracionalmente. Os movimentos inorgânicos podem ser uma explosão importante de protesto mas depressa mostram os seus limites de pouca democracia e pouca continuidade, arrastando a inconsistência política. Hoje há "coletes amarelos" para todos os gostos e a defender tudo e o seu contrário. Um marxista muito conhecido, há mais de 100 anos, dizia que o anarquismo é sempre a punição pelo oportunismo e burocratismo do movimento. Essa reflexão parece ser inteiramente válida e um instrumento ideológico para o debate da mobilização dos mais jovens.

Comissão de teses: Pedro Filipe Soares, Bruno Góis, Fabian Figueiredo, Humberto Silveira, Isabel Pires, Joana Mortágua, Luís Fazenda, Mariana Aiveca, e Sandra Cunha.