Teses aprovadas na XI Assembleia da Esquerda Alternativa | PDF | Direção
Enfrentar o capitalismo agressivo
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10 anos de lutas com classe
10 anos de Esquerda Alternativa, a tendência verde e vermelha
1. A 29 de março de 2014 decorreu a Assembleia fundadora da Esquerda Alternativa. A afirmação do Bloco de Esquerda como socialista, feminista, ecologista, popular faz parte da nossa luta. Afirmar a democracia no partido contra o autoritarismo, a pluralidade contra o monolitismo, são preocupações permanentes assentes numa cultura de compromisso. Temos consciência das diferenças estratégicas no seio do Bloco, desvalorizadas para concentrar forças na intervenção política imediata do partido, e sabemos como a existência de leituras diferentes sobre a finalidade da nossa ação coletiva é elemento de valorização e afirmação da esquerda progressista. No cumprimento da nossa tarefa coletiva, ao longo de uma década, interviemos no Bloco e nos movimentos sociais, organizamos formações e debatemos ideias transformadoras. Produzimos documentos onde caracterizamos a luta contra a austeridade como determinante da luta política e social e estabelecemos as coordenadas do nosso pensamento e da nossa ação como tendência e como Bloco de Esquerda1, situamos a intervenção bloquista no contexto do Governo minoritário do PS, apontamos a luta dos povos contra os ultras e contra os ditames de Bruxelas2, perspectivamos a construção de uma alternativa de esquerda afirmando a atualização do nosso pensamento sobre o marxismo, o socialismo, a ecologia, o feminismo, as lutas LGBTI+ e o antirracismo3. O caminho valeu a pena e continuaremos a aprofundar o contributo desta tendência marxista para tornar mais forte o Bloco de Esquerda. Repetimos a expressão de Marx: a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos trabalhadores. Hoje, face aos desafios que se apresentam com o crescimento extrema-direita, a complexa relação com o Partido Socialista, a pesada hegemonia do consenso neoliberal, as perdas da esquerda radical e a viragem do espectro político à direita, a Esquerda Alternativa reafirma a sua reflexão ideológica no campo do marxismo e promove um amplo debate sobre os caminhos da luta a percorrer. A luta difícil que queremos trilhar só pode partir da desconstrução, da reflexão e do debate que estrutura a ação.
2. A Esquerda Alternativa é a tendência verde e vermelha do Bloco de Esquerda. Identificamos a contradição entre trabalho e capital como vetor fundamental para a compreensão e transformação da sociedade e, por isso, a nossa reflexão é construída numa base marxista. Expomos que o capitalismo se constrói na contradição entre o capital e o trabalho. Sabemos como se desenvolve na expansão permanente de produção e consumo, do lucro máximo, da concentração de capital, da veia extrativista, das agressões e espoliações imperialistas das potências capitalistas mais fortes. Sabemos também como o capitalismo se alimenta da reprodução internacional de desigualdades de classe, de género e etnorraciais, as quais são garantidas pelo imperialismo, pelo poder patriarcal e pelo racismo. No mundo dos super-ricos, em que a fortuna das cinco pessoas mais ricas do planeta aumentou em 114% desde 2020, a um ritmo de 14 milhões de dólares (cerca de 13 milhões de euros) por hora, o capitalismo mostra a sua verdadeira face com as desigualdades, as opressões, a pobreza e a guerra e como vive da exploração das trabalhadoras e dos trabalhadores e do ataque ao planeta.
3. O caos climático é resultado de um modelo de produção insustentável com raízes profundas. O colonialismo europeu no Sul global caracterizou-se pela opressão e pela destruição da natureza através dos regimes de plantação, com trabalho forçado, destruição das economias locais, devastação das florestas e mineração irresponsável. Este solo das desigualdades internacionais mudou a face do planeta e esteve na base de revoluções industriais colocadas ao serviço do lucro infinito, um capitalismo fóssil que ameaça o planeta e o nosso futuro coletivo. Acreditamos que a alternativa passa pela socialização dos meios de produção e troca fundamentais, que permita um planeamento da economia, participado e democrático. Uma sociedade organizada no interesse das trabalhadoras e dos trabalhadores inclui necessariamente um plano para a transição climática que ultrapasse as barreiras do produtivismo e do desenvolvimentismo extrativista. O nosso ecossocialismo é consciente de que a alternativa ao capitalismo não é o regresso a uma ruralidade romântica ou o retrocesso científico ou tecnológico, antes a orientação da economia para garantir serviços públicos universais e de qualidade, a redução das jornadas de trabalho e a promoção de modelos de consumo para suprir as reais necessidades das pessoas. Sabemos como é insustentável a economia da exploração, da obsolescência programada, dos bens não reparáveis, do transporte desenfreado de mercadorias à escala internacional. Aprendemos com as experiências do “socialismo real” e com as consequências gravosas do extrativismo do capitalismo global que o socialismo ou é ecologista e democrático ou não é socialismo de todo. O socialismo que queremos construir tem necessariamente de passar pelo abandono das estruturas de pensamento de cariz colonial e extrativista que olham para a natureza e para o não-humano como matéria-prima à espera da intervenção humana. Uma relação com o planeta que garanta um futuro para todas as pessoas deve passar por uma reflexão que nos percione como uma parte de grandes cadeias de ecossistemas em que vivemos e que precisas de respeitar e preservar. É forçoso repensar o antropocentrismo que tem levado à destruição do planeta. O socialismo pelo qual lutamos não pode mais tolerar a destruição do único planeta que temos: por isso, tem de ser ecologista.
4. Se a muitas pessoas parece que a cada dia que passa o capitalismo se torna cada vez mais imortal, nós lembramos as palavras de Galeano: “Há outro mundo na barriga deste, esperando. Que é um mundo diferente. Diferente e de parto difícil. Não nasce facilmente. Mas com certeza pulsa no mundo em que estamos”. A 24 de abril de 1974, quarta-feira, o sol nascia numa sociedade portuguesa que parecia resignada a viver na longa noite - um dia depois a liberdade saiu à rua numa explosão de alegria e seguiu-se um fértil período revolucionário, no qual o povo português ensaiou, com as suas próprias mãos, a construção de uma sociedade socialista, conquistando os direitos sociais e políticos de que hoje usufruímos na rua, antes mesmo de terem sido outorgados pelo poder.
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A Europa na viragem global à direita
A vingança do capital contra as conquistas dos trabalhadores e dos povos no pós-segunda guerra mundial tem sido um longo processo, caracterizado por distintas vagas.
Os momentos de crise têm fornecido o contexto para essas ofensivas.
Do pós-guerra à primeira ofensiva neoliberal
5. Nas primeiras décadas pós 1945, vários Estados anti-coloniais e anti-imperialistas em África, na Ásia e na América Latina buscaram, com mais ou menos dificuldades, trilhar rumos de desenvolvimento próprios, colocando barreiras soberanistas aos apetites do capital estrangeiro sobre os seus bens estratégicos. Muitos destes novos países perfilhavam ideais de cariz socialista, pretendendo construir a sua emancipação fora da esfera do capitalismo. Ao mesmo tempo, na Europa ocidental foram criados Estado Sociais robustos graças à força da classe trabalhadora, organizada em sindicatos e em partidos, às necessidades de reconstrução económica e à força geopolítica e ideológica dos países do leste socialista. Durante este período, o capital conseguiu garantir os seus lucros com o crescimento económico proporcionado pelo grande investimento público na reconstrução e pelo aumento do poder de compra dos trabalhadores. Não obstante, será de destacar que o modelo do Estado social europeu surgiu também pela pressão do avanço dos partidos comunistas que, na Europa do pós-guerra, face à destruição e miséria que se generalizavam, ganhavam apoio entre setores vastos da população. Este modelo, garantindo importantíssimas vitórias para a classe trabalhadora, no entanto, não representa o fim da luta. Hoje, somos frequentemente colocados na posição de defender o que resta deste Estado previdência. No entanto, continuamos a empurrar o horizonte da nossa transformação política para a construção de uma sociedade socialista, que ultrapasse o capitalismo.
6. A crise dos choques petrolíferos de 1973 e 1979 e a crescente perda de rentabilidade do capital deram o tiro de partida para o assalto neoliberal. A financeirização da economia e a globalização dos mercados foi possível, neste contexto, graças ao desenvolvimento tecnológico (nomeadamente informático) e à mudança geopolítica com o colapso da União Soviética e do Bloco de Leste (1989/1990). Os governos britânico e estadunidense de Margaret Thatcher (1979-1990) e de Ronald Reagan (1981-1989) tornaram-se o rosto desta vaga marcada, por um lado, pela desregulamentação dos mercados e pela offshorização dos negócios (liberdade para o capital) e, por outro lado, pela limitação da intervenção pública na economia. Largos setores da propriedade pública e dos serviços públicos foram privatizados. Direitos laborais e de organização sindical sofreram um recuo. Foram instituídas regras macroeconómicas limitadoras da ação estatal, como os limites à dívida pública, a perda de controlo da política monetária (os chamados bancos centrais independentes). Esta política foi imposta internacionalmente, com ingerências golpistas de potências internacionais (como já tinha acontecido com o Chile em 1973) e através das organizações internacionais. Em 1989, uma reunião entre economistas do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos estabeleceu as orientações neoliberais para aplicar aos países do Sul global, as quais ficaram conhecidas como Consenso de Washington. A Organização Mundial do Comércio, criada em 1995, assume o papel de promotora da liberalização comercial, obstaculizando cada vez mais a proteção das economias em relação a trocas desiguais. Enquanto isso, a ofensiva ideológica do capital procurou mobilizar o apoio das trabalhadoras e dos trabalhadores do Norte global a partir das promessas de um capitalismo popular, onde todos podem prosperar individualmente, investindo na bolsa e empreendendo. A contração dos salários foi compensada com as facilidades de crédito.
7. Na Europa ocidental, o processo de integração económica ergueu em tratados as regras neoliberais. Foi com os apoios de governos dos partidos da Internacional Socialista que foram estabelecidos, em 1997, espartilhos ao investimento público (Pacto de Estabilidade e Crescimento) e, em 1999, o Banco Central Europeu, com uma política monetária castradora do desenvolvimento social e sem qualquer compromisso com o trabalho. Os serviços públicos e as infraestruturas públicas passaram a depender de parcerias público-privadas, de rendas a concessionários e da redução de direitos sociais, com diferentes graus, conforme os países. Animada pelos protestos alterglobalistas desde a batalha de Seattle (contra o encontro de ministros da Organização Mundial do Comércio, 1999), pelos Fóruns Sociais Mundiais (iniciados em Porto Alegre-Brasil, 2001), pelos Fóruns Sociais Europeus (iniciados em Florença-Itália, em 2002), a busca de alternativas permitiu uma revitalização da nova esquerda também na Europa. Nas primeiras décadas do século XXI, forças como a Refundação Comunista Italiana, a Esquerda Unida espanhola, o Partido Comunista Francês, A Esquerda alemã e o Bloco de Esquerda ganham dinâmica na oposição ao neoliberalismo e ao social-liberalismo e na defesa das causas do progresso.
A crise de 2008
8. Com o passar dos anos, a globalização neoliberal e os seus reflexos regionais criaram o monstro da financeirização. Na sequência de várias crises regionais (México 1994, Leste e Sudeste Asiático 1997- 98, Argentina 1999-2002, América do Sul 2002), a crise acabou por chegar ao centro do capitalismo global. A economia de casino conduziu a uma circulação de capital que, em 2007, era já oito vezes maior que o produto interno bruto mundial. O rebentar da bolha imobiliária em 2007 levou à falência do banco Lehman Brothers em 2008, iniciando uma crise global do sistema financeiro.
9. Na Europa e nos EUA a resposta foi o resgate financeiro dos bancos considerados "grandes demais para falir". Na contramão deste investimento público colossal, foram impostas duras políticas de austeridade, com novas vagas de privatizações, novos ataques aos direitos sociais. Com a necessidade de disciplinar o sistema financeiro, deixa de haver disponibilidade para captar o apoio da classe trabalhadora através da almofada do crédito fácil. O novo discurso (novo para os países centrais do capitalismo, já que a mesma disciplina fora aplicada noutras regiões) é o castigo de povos que “viveram acima das suas possibilidades”.
10. A reação dos bancos centrais à ameaça de colapso financeiro foi também marcada pela rápida redução das taxas de juro e o começo da década do dinheiro barato. As taxas de juro (muitas vezes negativas) foram fundamentais para a recuperação capitalista e para a brutal concentração de capital, à custa da criação de desigualdades nunca antes vistas. O que pareciam ser boas notícias para a classe trabalhadora (taxas de juro baixas) tornou-se uma catástrofe social, particularmente visível no mercado da habitação. Os grandes vencedores foram os já grandes capitalistas: Elon Musk em 10 anos multiplicou a sua riqueza por 100; Bernard Arnault tornou-se a pessoa mais rica no planeta a vender bens de luxo a outros super-ricos e ricos, tal foi o aumento da ostentação e das disparidades.
As forças anti-austeridade
11. Se a Crise Global de 2008 serviu a nova vaga da vingança do capital, na terraplanagem de direitos sociais, também gerou uma contra ofensiva popular. Inspirados pela ocupação popular da praça de Tahrir (25 de janeiro-11 de fevereiro de 2011), que resultou na queda do ditador egípcio Hosni Mubarak, a Puerta del Sol, em Madrid, foi ocupada por protestos em maio de 2011 e, em setembro, teve início nos EUA o movimento Occupy Wall Street, que visava mobilizar os 99% do povo contra os 1% mais ricos, responsáveis pela crise. Nesse contexto dos protestos das praças que se foram espalhando a nível internacional, formaram-se também movimentos anti-austeridade em vários países europeus. Os grandes protestos de rua tiveram particular impacto nos países da periferia da Zona Euro, os quais estavam a braços com crises da dívida pública. Frente à crise social e à austeridade imposta pelas instituições europeias (Comunidade Europeia e Banco Central Europeu) e pelo Fundo Monetário Internacional, surgiram protestos como os Gregos Indignados, a Democracia Real Já, no Estado Espanhol, o Occupy Dame Street e Occupy Cork, na Irlanda, e a Geração à Rasca e o Que Se Lixe a Troika, em Portugal.
12. Esta oposição popular à austeridade teve reflexos no campo político-partidário. A busca de alternativa à austeridade deu um impulso às oposições de esquerda: emergem com grande força partidos novos, como o espanhol Podemos, e reforçam-se em apoio popular e eleitoral forças políticas como a Frente de Esquerda francesa, A Esquerda alemã, o Bloco de Esquerda, o Sinn Féin (Irlanda) e o Syriza (Grécia). Com 36% dos votos em 2015, o Syriza lidera um governo de coligação com os Gregos Independentes (direita patriótica) para romper com as políticas de austeridade. A resposta do Syriza à pressão das instituições europeias, em que capitulou e se tornou parte da implementação de um programa de austeridade foi tirar qualquer margem de manobra ao governo, esmagar o seu programa, usando toda a força do Banco Central Europeu para o efeito, e impondo um novo memorando de sacrifícios ao povo grego . A derrota da alternativa anti-austeridade foi um duro golpe para a esquerda. A perspetiva da desobediência aos tratados, em nome dos povos, perdeu força.
13. Derrotada a desobediência da esquerda radical, restaram, na Península Ibérica, como projetos de recuperação de rendimentos, dentro do quadro europeu vigente, o governo minoritário do PS apoiado no parlamento pelo Bloco de Esquerda, pelo PCP e pelos Verdes (Geringonça, 2015-2019) e o governo de coligação espanhol entre o PSOE e o Unidas Podemos (2020-2023). Temporariamente chegou a existir a esperança de um novo governo à esquerda no Reino Unido, com um programa de nacionalizações e de avanço dos direitos dos trabalhadores, enquanto Jeremy Corbyn assumiu a liderança do Partido Trabalhista britânico (2015-2020), maior força da oposição ao Governo Conservador. Mas o referendo que ditou o Brexit (2016) e a força do aparelho dirieitista do Partido Trabalhista conseguiram afastar Corbyn e têm vindo a liquidar os dirigentes do partido associados à ala esquerda, recorrendo nomeadamente a acusações de antissemitismo a todos os que mostram simpatia pela causa palestiniana.
A emergência da extrema-direita
14. Do lado da extrema-direita o caminho foi de afirmação, como se vê também na Europa. Marine Le Pen, líder do partido Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional), disputou a segunda volta nas eleições presidenciais em 2017 (33,90%) e em 2022 (41,46%). Também em 2017, a Alternativa para a Alemanha fez a extrema-direita regressar ao parlamento federal, com fortes resultados (12,6%), espaço eleitoral que confirma em 2021 (10,3%) e em várias eleições para os estados federados. Várias sondagens colocam a Alternativa para a Alemanha em segundo para as eleições federais de 2025, sendo que em primeiro lugar estará a direita democrata cristã CDU/CSU. As eleições francesas, marcadas para 30 de junho e 7 de julho, serão também importantes para esta análise.
15. Esta ascensão da extrema-direita em países centrais na Europa como a França e a Alemanha forma parte de uma dinâmica mais geral, onde não faltam exemplos de ocupação de lugares decisivos, país atrás de país. Há países onde a extrema-direita pontifica há muito. É o caso da Hungria, onde Viktor Orbán, do Fidesz - União Cívica Húngara, lidera o governo desde 2010. É o caso também da Polónia, o partido Lei e Justiça, que anda há muito entre primeira e segunda força, liderou um governo de coligação entre 2015 e 2023. Na Áustria, o Partido da Liberdade, o terceiro maior partido desde 2008, teve 26% nas eleições de 2017, integrando um governo de coligação com os democratas-cristãos (Partido Popular Austríaco) entre 2017 e 2019. O Partido dos Finlandeses (anteriormente conhecido como Verdadeiros Finlandeses) desde 2011 que tem resultados expressivos, entre os 17% e os 20%, tendo sido membro do governo de coligação entre 2015 e 2017 e, atualmente de novo no governo, como segunda força política, desde 2023. Em Itália, onde há muito proliferam forças de extrema-direita, Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos de Itália, é primeira-ministra desde 2022. Este fenómeno chegou também à península ibérica, com o surgimento novos partidos de extrema-direita que alcançaram a posição de terceira força nos últimos anos: o Vox nas eleições de novembro de 2019 (15.08%) e de 2023 (12.3%) e o Chega em 2022 (7,28%) e em 2024 (18,07%).
Frentes anti extrema-direita e a autonomia da esquerda
16. A ofensiva da extrema-direita teve já consequências profundas em países de dimensão continental, como é o caso dos EUA e do Brasil. Nos EUA, Donald Trump protagonizou a liderança da viragem global à direita, assumindo a presidência entre 2017 e 2021. Embora seja um multimilionário representante dos interesses dos multimilionários, Trump conseguiu apresentar-se como alguém fora do sistema. O eixo da sua maioria foi a aposta na mobilização de trabalhadores brancos, principalmente homens, e das camadas conservadoras da sociedade para o projeto “Fazer a América grande novamente”. Da construção de muros contra a imigração mexicana à misoginia, o trumpismo fortaleceu-se na exploração do discurso de ódio. Apesar da derrota nas eleições de 2020 frente ao candidato democrata Joe Biden, Trump conseguiu obter uma votação expressiva (46,8%), seguindo-se uma contestação golpista contra os resultados das eleições (Assalto ao Capitólio).
17. No Brasil, o bolsonarismo é o nome desta viragem à direita da sociedade e da política. Na sequência de um golpe institucional, falsas acusações que serviram de pretexto para conseguir o impedimento da presidenta Dilma Rousseff, a viragem à direita assumida pelo governo interino de Michel Temer (2016–2019) completou-se com a eleição do presidente Jair Bolsonaro (2019–2023). O bolsonarismo representou uma radicalização política à direita, forte polarização da opinião pública a partir de notícias falsas, propagadas pelas redes sociais online, e de uma política baseada no ódio aos pobres, às mulheres, às pessoas LGBTQI+, às populações negras e indígenas. Derrotar eleitoralmente a recandidatura de Jair Bolsonaro só foi possível graças a uma ampla frente (da direita moderada até à esquerda radical) encabeçada por Lula da Silva, do partido dos Trabalhadores, e com uma figura oriunda do centro-direita como vice (Geraldo Alckmin). Nestes processos é de realçar a participação de protagonistas das classes e grupos oprimidos que enriqueceram o campo socialista e a sua força. Tal como nos EUA, no Brasil a derrota do presidente não foi a derrota total do seu movimento (os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília mimetizam o Assalto ao Capitólio). Este cenário de polarização, com frentes amplas (centro e esquerda) contra a direita radical tem-se repetido, com e sem sucesso, em vários países da América Latina.
18. Com as devidas diferenças pela dimensão dos Estados e pelo caráter tendencialmente parlamentar dos seus regimes políticos, em alguns países da União Europeia o poder da extrema-direita também também já provocou situações críticas. Por exemplo, no caso das eleições húngaras de 2022, a coligação de toda a oposição Unidos pela Hungria (conservadores, liberais, sociais-democratas e verdes), mesmo com todos os esforços, obteve 36.90% dos votos mas não conseguiu derrubar a extrema-direita. Viktor Orbán, que governa desde 2010, venceu com 49.27% dos votos. No caso das eleições polacas de 2023, depois de oito anos à frente do governo, a extrema-direita voltou a ficar à frente (35.39%, coligação Direita Unida liderada pelo PiS - Lei e Justiça) mas foi derrubada por um acordo de governo entre a Coligação Cívica (30.7%, liderada pelo centro-direita e composta também por liberais, sociais-liberais e verdes), a coligação Terceira Via (14.41%, democratas-cristãos) e a coligação A Esquerda (8.61%). Caso diferente foram as legislativas francesas de 2022, nas quais a Nova União Popular, Ecológica e Social (liderada pela esquerda França Insubmissa, que junta forças de esquerda, verdes e PS) conseguiu ficar em segundo lugar (25.66% na primeira volta e 31.60% na segunda volta), atrás dos liberais de Macron e à frente da extrema-direita de Le Pen. Em qualquer destas situações, coloca-se sempre a questão da autonomia estratégica da esquerda no quadro das alianças táticas.
Um Mundo em Guerra e a guerra pelo mundo
19. A década de 2020 começou com a pandemia global e desenrola-se sob o signo da corrida armamentista e da guerra. A Ucrânia é palco de invasão do imperialismo de Putin, aliado da generalidade dos partidos de extrema-direita da Europa, incluindo o português, arvorando a mesma agenda de combate à “ideologia de género”. É também a justificação mais fácil para explicar a corrida ao armamento, o florescer da indústria militar, seja francesa e alemã, seja principalmente a norte-americana. A guerra na Ucrânia transforma-se no estado de pré-guerra para legitimar o investimento militar, a supressão de liberdades e cria uma dinâmica política propícia ao reacionarismo.
20. A Palestina expõe não só a brutalidade sionista , mostra como há pesos e medidas diferentes para vidas humanas, ponderados pela geografia, pertença etnorracial ou religião. E o colapso da lei internacional acontece sem que as grandes potências tenham qualquer ação séria para o impedir. Gaza é genocídio em curso.
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A farsa maniqueísta
“O imperialismo, forma de domínio económico, político e militar do capitalismo, implica a subjugação geral para controlo e benefício do lucro dos mercados. As potências mais fortes em capital e armas tendem a estabelecer, embora com contradições, um condomínio do planeta a que chamamos imperialismo global” - Assim escrevemos no nosso texto fundador e continua perfeitamente atual.
21. O imperialismo está numa nova fase, ainda mais brutal e ameaçadora do que a anterior. A NATO continua o braço armado do imperialismo norte americano, tem um passado ligado a violações do direito internacional, e parte fundamental das pressões para a corrida armamentista. A esquerda e o movimento dos trabalhadores na Europa tem o dever de travar esta perigosa escalada. À política da guerra, a esquerda só pode opor a paz e a negociação.
22. A NATO é apresentada como o baluarte de defesa das democracias “ocidentais”. Mas esta revisão da história procura esconder que à sua mesa fundacional se sentou Portugal, em 1949, e que essa adesão constituiu uma legitimação internacional do regime salazarista. Foi, aliás, com o conhecimento partilhado entre os países da NATO, incluindo com material militar fornecido às Forças Armadas Portuguesas nesse âmbito, que se desencadeou toda a guerra colonial. Os “valores democráticos” da NATO não sobrevivem à realidade histórica e a oposição à ditadura salazarista teve vida ainda mais dificultada pelo seu reconhecimento entre a comunidade internacional.
23. Até à fragmentação da União Soviética, a NATO justificava-se com a suposta necessidade de “proteger os países europeus da ameaça soviética”. Essa suposta ameaça era a máscara para os verdadeiros interesses imperialistas: prevenir a expansão do socialismo e proteger os interesses económicos e políticos das potências capitalistas, em particular dos EUA. Isso legitimou a proliferação de bases militares, muitas deles com armas nucleares, por todo o espaço europeu. O fim da União Soviética agudizou a expansão geográfica e a inclusão de novos países membros.
24. O bombardeamento da Jugoslávia pela NATO durou 78 dias. Foi há 25 anos, começou ao início da noite de 24 de março de 1999. Sem qualquer mandato do Conselho de Segurança da ONU e em violação do direito internacional, os bombardeamentos que mataram centenas de civis foram justificados pela “ação humanitária”, mas hoje é claro que a verdadeira motivação era afirmar o domínio americano sobre os Balcãs. Em 2001, novamente sem mandato da ONU e repetindo a violação do direito internacional, foi a NATO envolvida na ocupação do Afeganistão decidida por George W. Bush, prenúncio da invasão do Iraque justificada com a mentira da existência de “armas de destruição maciça”. Kosovo, Kuwait, Afeganistão, Iraque, Líbia, todas guerras com consequências trágicas. Numa lógica imperialista, o poder militar é um elemento fundamental de afirmação no mundo, e é esse o papel da NATO.
25. A invasão russa da Ucrânia deu novo capítulo ao debate sobre a existência de uma estratégia comum de defesa europeia. Parte desse debate ignora as próprias responsabilidades da NATO e dos EUA que sempre pretendeu subjugar os estados europeus à sua política e torpedeou quaisquer tentativas de autonomia estratégica europeia. Por outro lado, as crises do capitalismo deram ainda mais mais força aos interesses da indústria militar, coisa a que não é alheia a pressão para os países europeus aumentarem os gastos militares no âmbito da NATO, por exemplo. Não ignoramos que os interesses estratégicos da NATO mudaram ao longo do tempo, da mesma forma que os interesses estratégicos dos EUA também foram mudando. A retórica de Trump sobre a NATO, de desinvestimento nesta aliança militar e de exigência que os estados europeus a paguem, pode ganhar novo fôlego mediante o resultado das eleições do próximo outono. No entanto, esta visão não é uma novidade trumpista, ela tem raízes na mudança estratégica dos próprios EUA que coloca na ascensão da China um problema existencial. Realisticamente afirmamos que a autonomia estratégica da Europa (isto é, a independência face à NATO) não só é um objetivo democrático desejável, como é também um objetivo que se alcança sem um crescimento absurdo de gastos militares: as forças armadas atualmente existentes, quer no espaço da UE, quer alargado ao Reino Unido ou à Noruega, têm uma enorme capacidade dissuasora. Sem necessidade da NATO, nem de um exército Europeu, uma cooperação de defesa entre os estados europeus, enquadrada pelos princípios da Carta das Nações Unidas, pode ser um instrumento de contenção da escalada belicista.
26. Reafirmamos a condenação da invasão russa da Ucrânia e a escalada armamentista que se lhe seguiu. Não consideramos haver imperialismos bons e imperialismos maus, todos ameaçam os povos e a paz. Se no passado, a esquerda revolucionária teve a coragem de afirmar “nem NATO, nem Pacto de Varsóvia”, hoje não temos dúvidas sobre a palavra de ordem “abaixo todos os imperialismos”. Mas consideramos que há demasiados interesses a impedir o caminho para a paz, começando desde logo pelos interesses da indústria militar. Precisamos de manter a paz, não de fomentar as guerras.
27. A dependência europeia do imperialismo norte-americano e as suas nefastas consequências não se verifica apenas nas questões da defesa. Debaixo da ideia do livre comércio e das parcerias estratégicas, a Europa foi caindo na capacidade de inovação e desenvolvimento económico. Ao limitar brutalmente o investimento público, em particular depois da crise financeira de 2007, condicionou o seu desenvolvimento e ficou muito atrasada. Não há uma empresa europeia entre os gigantes da internet, o desenvolvimento em Inteligência Artificial é liderado por EUA e China e até no histórico baluarte europeu da indústria automóvel, chineses e norte-americanos estão muito à frente na produção de automóveis elétricos. Quer a Tesla, quer a BYD beneficiaram muitíssimo de apoios estatais para se afirmarem enquanto a Europa definhava. O centro económico e tecnológico do mundo deixou o Atlântico e migrou para o Pacífico, a Europa passou do banco da frente para ir a reboque com tudo o que isso implica em termos políticos, sociais e económicos - o crescimento dos autoritarismos, a crise dos refugiados e a desumana política migratória da UE também fazem parte dessas consequências.
28. A guerra na Ucrânia e a pressão para a sua manutenção têm outra compreensão quando analisadas pelo prisma das disputas imperialistas em EUA e China. Do lado chinês, a esperança russa de que o prolongar da guerra possa levar a uma perda de coesão na base de apoio à Ucrânia tem como contraponto uma maior dependência russa da vontade chinesa, quer seja militar ou económica, e uma maior pressão para integração e alinhamento internacional na sua estratégia. Do lado dos EUA, a esperança ucraniana de que o prolongar da guerra possa levar à exaustão do esforço militar russo e à sua retirada, é acompanhada por um enorme negócio militar, com a exportação de armamento e munições diretamente para a Ucrânia ou por intermédio da UE e sem riscos políticos internos relevantes como uma guerra que implicasse o envolvimento de tropas americanas teria. Os estados europeus, que têm de lidar diariamente com as consequências da guerra, estão incapazes de ter uma voz autónoma que não esteja refém de nenhuma das posições imperialistas.
29. A interligação global de economias é uma realidade, mas já não parece ser suficiente para retirar do horizonte a ameaça da guerra. Isso não significa que a guerra entre potências esteja iminente, mas a guerra na Ucrânia e, em particular, a escalada retórica e militar em torno de Taiwan, parecem indiciar que a ascensão da China não será aceite pacificamente ao colocar em causa a hegemonia dos EUA. Atualmente, assistimos a uma corrida armamentista (o que inclui a modernização de arsenal nuclear pela NATO, Rússia ou China), à amplificação de guerras comerciais (exemplo da ameaça da UE sobre a importação de carros chineses e a resposta chinesa de colocar restrições sobre a exportação de carne de porco), ao uso do protecionismo como elemento de segurança nacional (como aconteceu na proibição da rede 5g da Huawei ou no processo em curso para a proibição do TikTok nos EUA), a exigência para mudar regras de instituições multilaterais (China e Índia querem mudar regras da ONU, Banco Mundial, etc.), reconstituição de blocos políticos (“democracias ocidentais” lideradas pelos EUA, BRICS ou organizações similares lideradas pela China, disputas por matérias-primas ou energia, etc.). As contradições são visíveis, a pressão das disputas parece acumular-se e esse elemento tem de ser incorporado na análise política.
30. Os povos não estão condenados a escolher entre o mau e o pior. Os imperialismos são ameaça aos povos, ao seu desenvolvimento e cooperação e à paz. A pulsão maniqueísta entre imperialismos não é o fim das escolhas para os povo, muito menos para o povo de esquerda. O espectro das soluções político-ideológicas encontradas pelas burguesias serve apenas para nos assombrar, está longe de nos salvar. Enfraquecer e derrotar o imperialismo é o caminho para as e os socialistas, para a sua emancipação e para a salvaguarda das suas conquistas políticas.
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A poeira ainda não assentou, mas não se espera boa coisa
As eleições legislativas e europeias mostraram uma viragem à direita, mas as arrumações político-sociais ainda estão em curso e o desfecho não está, para já, definido. A disputa pela hegemonia à direita, a disputa entre o centro liberal e social liberal, a resistência à esquerda, são processos ainda em aberto mas que já dão indícios para o futuro.
Uma viragem à direita
31. As eleições legislativas de 10 de março de 2024 foram o culminar de um processo que decorre há décadas e que existe além das fronteiras nacionais. A erosão das referências culturais, políticas e ideológicas da luta de classes é um processo seguido há muito tempo. O ataque ao sindicalismo, enquadrado no contexto do avanço da hegemonia cultural do neoliberalismo e da atomização que este promove, nomeadamente com a destruição da contratação coletiva, e o consequente esvaziamento dos sindicatos (a sindicalização passou em Portugal de 80% para cerca de 7% nas últimas décadas) fizeram recuar a consciência dos trabalhadores e das trabalhadoras enquanto classe. Vimos, por exemplo, o regresso à dicotomia das “pessoas de bem”, sejam mesmo capitalistas ou políticos alinhados com a burguesia, contra os “corruptos”. Todos são “pessoas de bem” menos os “bandidos”. Essa anulação do conflito de classes, muito identificável no discurso da extrema direita, perpassa o espectro político e é explicada pelo desgaste da marca cultural da luta de classes. As forças racistas e xenófobas de extrema-direita - ferramentas do capitalismo em tempos de crise - cavalgam esta situação e apregoam o ódio entre a classe trabalhadora, difundindo mensagens racistas e anti-imigração. Será de sublinhar, não obstante, que este ódio que a extrema-direita fomenta não foi ela criado: o racismo persiste sendo um problema estrutural na Europa.
32. O processo de proletarização acentuada de camadas da classe média urbana, quer pelas políticas da maioria absoluta do PS, quer pela espiral inflacionista, foi catalisador dessa mudança à direita e à extrema-direita. Neste contexto, dois tipos de trajetórias sociais descendentes engrossam uma massa de descontentes mobilizáveis para projetos reacionários. De um lado, assinala-se a trajetória social descendente de algumas frações de classe, trabalhadores, pequenos e médios proprietários que perderam posição social. Do outro, também algumas camadas da população se ressentem da perda de poder real e simbólico com o avanço da igualdade. Esta viragem à direita, com forte impulso da extrema-direita, forma-se, assim, também das camadas conservadoras, xenófobas ou racistas que se afirmam e autonomizam. Estas camadas reacionárias estiveram neutralizadas nas últimas décadas, uns engordavam os números da abstenção, outros povoavam os partidos estabelecidos, mas agora mostram-se ativos e a disputar expressão eleitoral própria. A abertura à imigração, explicada por um modelo de desenvolvimento assente em trabalho pouco qualificado e mal pago e por algum dinamismo económico, foi um elemento agregador para esse voto que, pela não identificação da unidade de classe, chegou até a alguns setores proletarizados.
33. A normalização da extrema direita está em curso e em fase avançada. Depois de décadas em fase de latência, em que as suas ideias não tinham expressão e apoio público relevantes, a fase de ativação foi bastante rápida. Em poucos anos, as ideias reacionárias e neofascistas conseguiram uma expressão eleitoral relevante. A fase atual, de revelação dessa realidade, é o último estádio do processo de normalização, já não havendo pudor de expressar abertamente estas ideias em público. Enquanto, institucionalmente, o objetivo é o da afirmação como agente-chave do sistema político, socialmente serão mais comuns atos de ameaça ou mesmo de violência, instigando um caldo cultural opressivo e censório às ideias progressistas e emancipatórias.
34. A disputa pela hegemonia à direita está em curso. A direita tradicional disputa com a extrema direita a liderança, um bloco de liberais e conservadores e outro bloco de ultra conservadores e neofascistas que, até com algumas políticas antiliberais, procuram absorver os governos liberais. Se em França a hegemonia foi ganha por Marine Le Pen e em Espanha pelo PP, o processo em Portugal é ainda incerto no desfecho. Mas são claras as fissuras que parecem começar a estalar no PSD, com Passos Coelho a tomar a liderança de uma parte do partido que quer a viragem à direita, cavando distâncias para quem pretende uma política mais centrista. Já no PS, dividido entre os sonhos de um centro liberal macronista a ser construído com despojos do PSD, como desejam muitos daqueles que foram o pessoal político de António Costa, e a continuidade social-liberal que caracteriza o programa de Pedro Nuno Santos. Qualquer vaticínio ou certeza sobre futuros desfechos é voluntarismo que não tem qualquer vantagem. A direita pretende impor o seu modelo privatizador na economia e nos serviços essenciais, endurecendo a política anti-imigração e aumentando a despesa militar. O PS quer combinar alguns serviços públicos com as restrições impostas por Bruxelas, sem alteração do modelo económico desigual.
35. O cenário político está incerto, sem certezas sobre se o Governo dura poucos meses ou 4 anos. O Bloco de Esquerda tem de ser capaz de navegar nestas águas turbulentas sem perder o norte. Em 2015 tomamos a decisão de fazer um acordo parlamentar com o PS, garantindo um governo de centro com apoio parlamentar à esquerda. Não aceitamos fazer um governo de centro-esquerda e essa escolha foi acertada. O mesmo aconteceu nas últimas eleições, mesmo contra vozes que defendiam acordos pré-eleitorais apesar das poucas pontes programáticas comuns. Temos consciência da resistência necessária para manter um espaço à esquerda da absorção que o centro está a realizar e como não é compaginável com ideias de “frentismo democrático”.
36. O tempo até às próximas eleições ditará com maior capacidade a afinação tática a utilizar. Mas a clareza necessária para que o Bloco de Esquerda resista, mesmo quando há hoje mais setores da esquerda com viés centrista, é a de manter o seu programa de Esquerda a eleições, sem acordos pré-eleitorais e com a natural abertura para discutir o poder com partidos de centro sem perder a sua autonomia estratégica. Essa autonomia fortalece o Bloco no combate à direita no poder e à extrema-direita, mas também ao PS, no legado da maioria absoluta e nas cedências que fizer ao centrão.
37. Reconquistar centralidade para a luta social é o ponto nevrálgico para a ação. É fulcral recentrar o confronto político na defesa dos interesses de classe das trabalhadoras e dos trabalhadores e na afirmação do combate pela igualdade, promovendo a ruptura com falsas consciências moralistas e conservadoras (“pessoas de bem”) que deixam o povo sob o comando da classe dominante. A direita já mostrou a sua agenda para acentuar a defesa da elite económica e afirmar o seu viés conservador e contra os direitos. São fatores importantes para organizar movimentos sociais e retomar as ruas, florescendo militâncias e ativismos e recuperando terreno na disputa cultural.
Um ciclo eleitoral em contínuo
38. Em pouco mais de 9 meses existiram 5 eleições: duas eleições regionais na Madeira, eleições regionais nos Açores, eleições legislativas e eleições europeias. Este infernal ciclo eleitoral expôs o refluxo da esquerda e a viragem à direita no país. Os resultados não foram positivos, mas há lugar para esperança: por todo o continente europeu, em países que estão mais avançados do que Portugal nas mudanças dentro desta fase de ascensão da extrema direita e de disputa da hegemonia, partidos populares de esquerda estão a fazer o caminho para a sua afirmação e a reforçar espaço eleitoral. O resultado das eleições europeias e as posteriores negociações para os altos cargos europeus ilustram o processo em curso, com o centro (onde se inclui o PS português e António Costa) a unir-se à direita para garantir a manutenção de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, apoiante do genocídio na Faixa de Gaza e que tem cultivado proximidade política com a extrema-direita, em particular com Giorgia Meloni.
39. Em momentos difíceis, as decisões políticas e táticas devem ser ainda mais ponderadas: não devemos descair nem para a diluição nem para o dogmatismo. Se a primeira, leva à destruição do horizonte transformador dos projetos políticos, a segunda leva ao enquistamento e ao ocaso. Rejeitamos ambas. O espaço político do Bloco de Esquerda no atual contexto é claro: ser oposição à rampa deslizante para a extrema direita que se percepciona no país. Isso implica ser a mais feroz oposição ao Governo do PSD, confrontar as pretensões neofacistas do Chega, expor os momentos em que PSD se aproxima do programa político do Chega, e denunciar as traições do PS sempre que servir de apoio a um governo de direita que está a normalizar a extrema direita. Esse é o espaço político para afirmação do Bloco e o reforço da sua identidade.
40. As eleições autárquicas serão um momento exigente para o Bloco de Esquerda e não podem ser dissociadas do contexto político em que ocorram. No entanto, precisamos de não repetir erros do passado e começar atempadamente o processo de construção de listas e de mobilização para os programas locais. Este empenho é fundamental para prosseguir um caminho de afirmação do projeto alternativo do Bloco de Esquerda ao nível das autarquias, o que vai para além da manutenção das atuais vereações do Bloco. Desafios a forças democráticas para alianças mais amplas dependerão não só de uma convergência programática, mas também de uma relação de forças adequada. A presença bloquista ao nível das câmaras municipais está atualmente circunscrita a Lisboa, ao Porto e a Oeiras, onde somos oposição à direita, e a Almada e a Salvaterra de Magos, onde somos oposição ao PS. No resto do país temos, em geral, bancadas em assembleias municipais e de freguesia entre 1 e 2 eleitos ou eleitas. O Bloco de Esquerda deverá apresentar candidaturas com abertura a projetos autárquicos com outras forças da esquerda (PCP ou Livre) e da ecologia (PAN), sempre que exista caminho que possa ser percorrido em conjunto. Se o caminho conjunto não for possível, tudo faremos para a apresentação de listas próprias abertas a ativismos e à cidadania. No continente, em Lisboa e Porto, concelhos onde a derrota da direita poderá ter leitura nacional, poder-se-á ponderar alargar o âmbito dos projetos autárquicos a candidaturas conjuntas com o PS, salvaguardando a relação de forças e a possibilidade de construção de candidaturas com cariz progressista. Esta decisão será acompanhada pelo debate interno na EA.
41. No início de 2026 teremos nas eleições presidenciais o desafio de encontrar uma candidatura mobilizadora, que vá além das fronteiras do partido, colocando a agenda progressista e democrática no centro do debate.
42. O Bloco de Esquerda enfrenta também vários desafios internos. A forma de organização e ação têm de ser atualizadas. É fundamental reforçar a democracia e os espaços democráticos do partido sem ceder à burocracia ou à falta de participação. Temos de ser criativos na ação e propaganda, é necessária a ambição para inovar. É urgente introduzir novas ferramentas para contacto direto com aderentes, simpatizantes e votantes.
43. O processo de revisitação programática e a conferência do Bloco de Esquerda serão importantes e de participação essencial. A defesa de uma identidade socialista, de um partido com a consciência que o combate ao capitalismo ganha força quando se multiplicam as alianças pela transformação social, é fundamental e não está garantida. A diluição é a fuga em frente que alguns apresentam para os momentos difíceis, enquanto o dogmatismo é a saída para outros - não aceitaremos hipotecar o futuro transformador do Bloco de Esquerda com essas desistências. Conscientes do nosso papel no Bloco e do papel do Bloco no país e no mundo, sabemos que este projeto carrega um enorme potencial transformador e grandes conquistas para cumprir.
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1 - Esquerda Alternativa, 9 Teses sobre a situação política, Recuperar a Confiança: Contribuição para Moção à IX Convenção do Bloco, Resgatar a esperança, disputar a democracia.
2 - A vitória do arco constitucional, Eurocoisa, princípio da incerteza, Bloco mobiliza com projeto próprio, A emergência anti-Merkel, O ataque dos ultras incita à resistência dos povos e O Governo, refém de Bruxelas.
3 - "A seguir, a vez da esquerda", "Feminismo: um sujeito político em progresso", "LGBTI+: sexo, género e transformação social", Antirracismo e luta de classes, Socialismo, Feminismo e Ecologismo, três em um, Construir a alternativa de esquerda, ampliar o campo progressista, Polícia bom e polícia mau, as duas caras da agressão capitalista.